Colegas, a entrevista abaixo, feita com um sociólogo e focada na avaliação do teste Pisa e as providências sugeridas em função dos resultados obtidos pelo Brasil, ajudam nossa reflexão sobre o trabalho educativo para 2011.
Gazeta do Povo, 14/12/2010 - Curitiba PR
Família é responsável por até 50% do desempenho do aluno
Julio Jacobo Waiselfisz, sociólogo e diretor de Pesquisa e Avaliação da Sangari, responsável pelo estudo “O Ensino de Ciências no Brasil e o Pisa”
Um ano a mais de ensino básico e uma carga horária maior no ensino de ciências são algumas das sugestões que o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz apresenta para tentar acelerar a melhora no desempenho dos estudantes brasileiros. Ao analisar os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) de 2009, o especialista concorda com a opinião geral de diversos colegas, de que a melhora dos estudantes brasileiros em relação ao exame de 2006 está longe de colocar o Brasil num nível aceitável de qualidade na educação, e que o ritmo dessa melhora é insuficiente. Por isso Waiselfisz defende medidas concretas, com urgência, começando-se pelas menos complexas. Segundo o sociólogo, a adoção generalizada dos nove anos no ensino básico já poderia somar 44 pontos no resultado dos próximos exames, muito mais do que os festejados 17 pontos de alta observados entre 2006 e 2009. No ensino de ciências, que teve o menor crescimento entre as três disciplinas avaliadas pelo Pisa, uma hora de aula a mais por semana pode ter um resultado muito significativo.
Waiselfisz ocupa o cargo de diretor de Pesquisa e Avaliação da Sangari, onde produziu o estudo “O Ensino de Ciências no Brasil e o Pisa”, e afirma que “os estudantes dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm, em média, 3,2 horas semanais de aulas de Ciências dentro da escola, enquanto os brasileiros têm 2,2 horas semanais”. O resultado é simples de se observar: os países da OCDE têm quase cem pontos acima da média brasileira em Ciências. São os países líderes em desenvolvimento científico e tecnológico. O sociólogo ressalta ainda o papel da família na formação de crianças e adolescentes. Segundo ele, o nível familiar tem peso entre 30% e 50% no desempenho do aluno, para o bem e para o mal. O Brasil tem 42% de seus alunos no nível mais baixo da escala sociocultural elaborada pelo Pisa. Na Coreia, essa proporção está em 4%.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o sociólogo:
A avaliação geral do Brasil no Pisa 2009 é positiva?
Sim, mas pouco. Os dados de 2003 e 2006 mostraram estagnação, passando da média geral de 383 para 384 pontos, com o Brasil no fim do ranking. Em 2009 chegou a 401, ou 17 pontos acima. Ou seja, saímos da estagnação, mas pela ótica do atraso histórico em relação aos países mais desenvolvidos, é pouco se quisermos recuperar o terreno rapidamente, como pretende o Ministério da Educação com a implantação da Prova Brasil e do Ideb Nacional.
Em relação às três áreas avaliadas, leitura, matemática e ciências, há diferenças significativas?
Não. Como todas tiveram subidas discretas, todas tiveram o mesmo papel no desempenho relativamente fraco da média. A evolução de ciências foi a mais fraca entre as três, com apenas 15 pontos de elevação sobre 2006, de 390 pontos para 405 pontos. Leitura, que teve a alta maior, subiu apenas 19 pontos, passando de 393 para 412 e, matemática, de 370 para 386. Nenhuma das disciplinas conseguiu dar grande salto em favor da média geral.
Quais os fatores que levam o Brasil a ficar parado ou andar devagar nas avaliações do Pisa?
São vários fatores que se somam para criar um panorama complexo, mas a situação socioeconômico familiar é particularmente cruel. O nível familiar tem peso entre 30% e 50% no desempenho do aluno, para o bem e para o mal. O Brasil tem 42% de seus alunos no nível mais baixo da escala sociocultural elaborada pelo Pisa. Na Coreia, essa proporção está em 4%. Na média dos países ricos da OCDE, 10%. O Brasil está pior que o México e Colômbia, que têm 41% de seus estudantes em famílias de menor nível sociocultural.
De que forma influi o ambiente familiar?
A família influi de diversas formas. Ela pode criar um ambiente favorável ao estudo dentro de suas possibilidades. Está demonstrado que pais que conversam com seus filhos sobre diversos temas também influenciam na aprendizagem. Criar um pequeno espaço para o estudante em casa, uma mesinha e estimular uma criança a pegar um livro na biblioteca pública são atitudes que contam muito.
Falta investimento na educação brasileira ou o dinheiro é mal gasto?
As duas coisas, mas há uma distorção na leitura que se faz dos investimentos. Se tomarmos o quanto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é investido em educação, cerca de 5% do PIB, estaremos igualados à Alemanha. Porém, como o PIB alemão é muito maior que o brasileiro, a Alemanha investe US$ 6.400 por aluno, enquanto o Brasil investe US$ 1.150. O investimento por aluno é muito melhor indicador do que o porcentual sobre o PIB. O Quênia, na África, investe 7% do seu PIB em educação, mas cada aluno tem investimento de US$ 245, e por isso a educação naquele país é uma das piores do mundo, apesar dos 7% de investimento sobre o PIB.
Que medidas o Brasil poderia tomar para tentar reverter rapidamente o quadro atual?
Algumas coisas simples e que já foram iniciadas, como o aumento de oito para nove anos de escolaridade no ciclo fundamental. Os alunos brasileiros que participaram do Pisa 2006 tinham 8,74 anos de estudo, melhor apenas do que a Estônia entre os 57 países que participaram. Reino Unido, por exemplo, tem 11 anos de estudo e a Nova Zelândia, 10,9. Há bem pouco tempo que essa distorção começou a ser corrigida. Segundo o Pisa, um ano a menos significou a perda de 12% no resultado de ciências de um estudante. Essa diferença significa nem mais nem menos do que 44 pontos, bem mais do que os 17 pontos ganhos entre 2006 e 2009. Só que os resultados de uma medida tão simples e correta só serão sentidos nas próximas edições do Pisa. Até agora, os alunos de 15 anos pertencem à época do ciclo de oito anos.
Especialistas colocam que um dos grandes problemas são os baixos salários dos professores brasileiros. O senhor concorda?
Em parte. Creio que é um dos problemas estratégicos, mas a questão dos docentes não se resume aos salários baixos. Há uma questão de formação dos professores que é tanto ou mais séria. E não é uma questão de competência do professor, mas sim de não cumprimento das legislações nacionais. Cerca de um quarto dos professores brasileiros não têm escolarização legalmente exigida. A maioria dos professores não está lecionando em suas áreas de formação. Apenas 43% dos professores de língua portuguesa têm diploma nessa área de conhecimento. Em matemática, são apenas 36%. Só 15% dos professores de física têm formação em física. Metade dos professores dessa disciplina é formada em Matemática. É um problema muito sério.
Qual outra solução o senhor apontaria?
Outra questão que afeta a eficiência do ensino é a jornada dos alunos, a quantidade de horas/aula ministradas para cada disciplina. Os países avaliados pelo Pisa com melhor desempenho têm jornadas maiores para os alunos. Isso é importante, sim. Os estudantes dos países da OCDE têm, em média, 3,2 horas semanais de aulas de ciências dentro da escola, enquanto os brasileiros têm 2,2 horas semanais. Essa diferença atinge as outras disciplinas também. Esse é um dos motivos do abismo que existe quando se compara o resultado em ciências entre Brasil e países da OCDE. A média dos países europeus está quase cem pontos acima. As escolas brasileiras não conseguem sequer cumprir as quatro horas diárias previstas legalmente. São greves, feriados, semanas de prova, atividades extras, faltas de professores sem reposição e até o horário do recreio que, somados, vão tirando muitas horas/aula dos estudantes. Uma perda irreparável.
Artigo postado pela Profª Marcia Gil de Souza
Coordenadora pedagógica
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
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