Educação Permanente

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

ANESTESIA:

Conhecendo um pouco mais sobre uma das maravilhas do mundo moderno.


Se muitos de nós já passaram por alguma cirurgia, é quase certo que todos já estivemos numa cadeira de dentista. Sabendo que antigamente um bom cirurgião é o que operava rápido e que os anfiteatros de cirurgia nos primeiros hospitais ficavam na parte mais alta e isolada dos edifícios – as famosas cúpulas – pois os gritos de dor eram garantidos, devemos agradecer ao desenvolvimento das drogas e técnicas que permitem que desde uma simples extração dentária até uma complexa cirurgia possam ser realizadas sem que sintamos dor.

Enquanto os chineses se beneficiavam da acunpuntura, em 2000 aC, quase mil anos mais tarde os assírios comprimiam a carótida do paciente até que esse desmaiasse. Os incas peruanos mascavam folhas de coca e depois despejavam a saliva sobre as feridas dos doentes para anestesiá-las. Já no século I dC, Discorides de Anazarba, médico grego que serviu ao exército romano, utilizava a chamada esponja sonífera. Preparada à base de ópio e outras substâncias (entre elas o vinho), era colocada sob as narinas de seus pacientes para que adormecessem. Para acordá-los, outra esponja embebida em vinagre dava conta do trabalho. Atribui-se a Discorides o emprego da palavra anestesia, que significa “ausência de sensações”

Na Europa medieval era usada a técnica da concussão cerebral, em que a cabeça do paciente era protegida por uma tigela de madeira (será essa a origem do capacete?) e essa última era golpeada até que o infeliz desmaiasse – o crânio, porém, supostamente ficava intacto. Isso ocorria porque, segundo a cultura(?) cristã medieval, o uso de qualquer erva ou outras substâncias químicas para controle da dor podia ser considerado como bruxaria ou magia negra, já que a doença, a dor e o sofrimento eram vistos como castigos divinos para a purificação da alma.

Misturando-se o óleo de vitríolo, termo alquímico para o ácido sulfúrico, com o álcool etílico, obtém-se uma substância de odor e sabor adocicados. Chamado de óleo doce de vitríolo, foi provavelmente obtido já no século VIII e sua síntese descrita no século XVI. Hoje os alunos do ensino médio estudam essa reação – desidratação intermolecular de álcoois – e reconhecem o produto formado com o nome de éter dietílico (em farmácias ele é vendido com o nome de éter sulfúrico). Paracelso, médico e aquimista suiço, observou os efeitos anestésicos do éter ao administrá-los às suas galinhas e vê-las adormecerem.

No início do século XVIII, o médico Georg Stahl, procurando explicar o fenômeno da combustão, elaborou uma teoria que admitia que todas as substâncias que se queimam tem em comum um elemento: “o flogisto”. No final desse mesmo século, Antoine Laurent Lavoisier derruba a “teoria flogística” e dá grande contribuição à compreensão da fisiologia respiratória. Em 1800, o aprendiz de farmácia Humphry Davi inalou a substância óxido nitroso (N2O) e teve uma sensação muito agradável, chegando mesmo a “cair na gargalhada”. Graças a esse episódio, a substância que havia sido descoberta em 1776 pelo cientista inglês Joseph Priestley recebeu o nome de gás hilariante. Davi recomendou que ela fosse usada em cirurgias, já que possuía a propriedade de acalmar as dores físicas. Cerca de vinte anos mais tarde, Michael Faraday escreveu que a inalação do éter dietílico produzia efeitos calmantes semelhantes aos produzidos pelo óxido nitroso. Infelizmente, essas duas substâncias ganharam fama apenas em exibições circenses, nas quais espectadores eram chamados ao palco, inalavam o gás e punham-se a rir e dançar para deleite da plateia. Também eram comuns reuniões em que os participantes inalavam o éter (“folias do éter”) e o óxido nitroso (“festas do gás do riso”) para saborear seus efeitos – a humanidade se droga desde tempos imemoriais...

Há relatos dizendo que em uma dessas festas, o médico americano Crawford W. Long sentiu na própria pele os efeitos anestésicos do éter, ao se machucar e não sentir dor. Em 30 de março de 1842, removeu dois cistos do pescoço de um paciente após fazê-lo inalar éter.

Assistindo a uma apresentação de um circo, Horace Wells, um dentista americano, observou que um dos participantes sob a ação do gás hilariante sofrera um extenso ferimento na perna e não demonstrara qualquer sinal de dor. No dia seguinte, pedindo ao administrador do circo que o deixasse inalar o óxido nitroso, Wells teve um de seus dentes arrancado por um colega. Testou várias outras substâncias, inclusive o éter dietílico, para verificar os efeitos anestésicos de diversos gases (e, é claro, não extraiu todos os próprios dentes para isso). Escolhido o melhor, aprendeu a preparar e administrar o óxido nitroso a seus pacientes, conseguindo realizar várias extrações dentárias indolores, na pequena cidade de Hartford, em Connecticut, nos Estados Unidos.

Tentando mostrar ao mundo suas descobertas, Wells contratou um ex-aluno seu, William Thomas Green Morton (será que vem daí o nome daquele “guru” de Pouso Alegre - Rá?), que estava matriculado na Harvard Medical School, em Boston. Ao fazer a demonstração das propriedades anestésicas do gás hilariante num paciente, Wells provavelmente administrou uma dose menor do que a necessária, expondo a paciente à dor e Wells ao ridículo. No entanto, quase dois anos depois, já familiarizado com as propriedades do óxido nitroso assim como às do éter, Morton realizou com sucesso e no mesmo lugar do fracasso de seu ex-professor – nunca subestime um aluno – uma anestesia com inalação de éter dietílico para a retirada de tumores no pescoço de um jovem. O médico que realizou a cirurgia também estava presente na fracassada demonstração de Wells e se rendeu às evidências, proclamando que a anestesia não se tratava de uma fraude.

O substituto do éter, o clorofórmio, foi usado pela primeira vez em 1847 por um obstetra, James Simpson, ao realizar os procedimentos de um trabalho de parto. A própria Rainha Vitória solicitou os serviços desse obstetra, quando do nascimento de seus dois últimos filhos, Leopoldo e Beatriz. Livres das culpas cristãs e mais preocupadas com o próprio bem-estar, as mulheres acolheram imediatamente o clorofórmio. Naturalmente, qualquer problema que ocorresse com a criança recém-nascida era atribuído a uma punição divina aos males causados pelo “Doutor Clorofórmio”.

Atualmente, diversas substâncias são usadas para se obter os efeitos de anestesia, que pode ser geral, regional, local, por bloqueio de nervos periféricos e de sedação. As possibilidades são tantas e tão variadas que uma especialidade médica já existe há algum tempo – a anestesiologia.

Mesmo envolvendo riscos, (não podemos esquecer que Medicina não é uma ciência exata e é conduzida por seres humanos, portanto passíveis de cometer erros), podemos comparar uma anestesia a uma viagem de avião: a razão entre o número de acidentes e o número de eventos é tão pequena, que ninguém deixará de voar nem pedirá para fazer uma extração dentária “a seco” por medo de receber uma droga anestésica.

Italo Mammini Filho, professor de química do ensino médio e pré-vestibulares.

Fontes de consulta:
“O alvorecer da anestesia inalatória”
Ricardo Jakson de Freitas Maia, Cláudia Regina Fernandes
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-70942002000600015&script=sci_arttext
“História da anestesia”
http://apavet.com.br/media/historiaanestesia.pdf