Caros colegas,
É com alegria e orgulho que uso do privilégio de participar de uma rede social que, tenho certeza, será de alto nível. Espero inaugurá-la com a competência necessária a quem faz parte de um grupo tão seleto como o dos profissionais do G9.Vai abaixo um artigo assinado por mim. Aguardo comentários e trocas.
A revista VEJA(1), editada na última semana de março, trouxe um artigo intitulado "Ideologia na Cartilha", de autoria de Marcelo Bortoloti.
Nele, percebemos a condenação de ideologias aplicadas por alguns professores de Filosofia e Sociologia (condenações com as quais concordo), porém, incoerentemente, a defesa de outra ideologia, clamando por uma carga maior de Matemática (ideologia positivista), utilizando a seguinte manchete em seu artigo: "Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de Sociologia e Filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom..." (grifo meu).
Nada contra a Matemática, evidentemente, pois ela filosofa bastante, como diz o nosso prof. Giovanni. Mas tomo aqui a defesa da presença dessas disciplinas no ensino médio das escolas.
Como professora universitária de Sociologia e Filosofia, pude constatar o que já se tornou lugar comum nas universidades: o baixo nível dos alunos. Há a tendência de se responsabilizar as deficiências do curso médio pela má formação dos estudantes, seja em decorrência do estilo da aprendizagem com questões elaboradas somente com múltipla escolha, seja como consequência da pobreza e imprecisão do conteúdo das informações que recebem, seja pelo desconhecimento da língua portuguesa, seja, enfim, pela ausência de uma visão mais abrangente da natureza do trabalho teórico, ausência que decorre de uma outra, isto é, do vazio deixado pela eliminação de Filosofia e Sociologia no ensino médio, desde os anos 70, quando da lei de diretrizes e bases da educação - LDB 5692/71, imposta pelo regime militar da época.
Os alunos do ensino superior sempre me fizeram queixas. Queixam-se da dificuldade de compreender o que lhes é transmitido e da dificuldade de acompanhar os cursos com a bibliografia que lhes é indicada. Os estudantes têm ainda outra queixa, e se a compreendermos teremos avançado na questão que me proponho a refletir. Queixam-se de não acompanhar o que o professor lhes diz, de não perceber o que tal discurso tem a ver com o mundo de suas experiências e como poderão escrever acerca daquilo que não conseguiram sequer ouvir. Essa queixa nos conduz ao efeito do ensino médio sem Filosofia e Sociologia. Sistematicamente cortados de uma relação significativa com a linguagem e com todas as vias expressivas, os estudantes não sabem ouvir, ler e escrever. Num ensino médio que supervaloriza as ciências exatas, a linguagem é reduzida à dimensão meramente denotativa ou indicativa. Completando o pensamento com CHAUI(2)"... de modo que a relação entre as palavras e as coisas nunca passe pela mediação das significações. Reduzida ao esquema binário da relação signo-coisa, a linguagem é exilada da esfera do sentido e da região que lhe é própria, da expressão". Não nos deve, pois, espantar que os estudantes recém-saídos de um ensino médio assim sejam incapazes de perceber e de formular as relações mais simples, de apreender as articulações mais elementares entre o que ouvem ou leem e o mundo em que vivem. Impedidos de um acesso verdadeiro à linguagem, estão impedidos de um acesso verdadeiro ao pensamento e, consequentemente, da possibilidade de alcançarem o real, sempre confundido com os dados imediatos da experiência. Ora, qual é o instrumento da Filosofia e da Sociologia? De onde partem as reflexões e as críticas? Da linguagem. Esfera privilegiadamente discursiva do saber, a Filosofia e a Sociologia se realizam através da compreensão da origem das significações constituídas pela linguagem e, assim sendo, compreende-se que as queixas dos estudantes são mais do que lamúria ou incompetência: é a queixa daquele a quem foi roubado o direito à palavra.
O que se costuma solicitar à Filosofia e à Sociologia é que iluminem o sentido teórico e prático daquilo que pensamos e fazemos, que nos levem a compreender a origem das ideias e valores que respeitamos ou que odiamos, que nos esclareçam quanto à origem da obediência a certas imposições e quanto ao desejo de transgredi-las, enfim, que nos digam alguma coisa acerca de nós mesmos, que nos ajudem a compreender como, por quê, para quem, por quem, contra quem ou contra o que as ideias e valores foram elaborados e o que fazer deles.
Evidentemente, pede-se muito à Filosofia e à Sociologia e elas, que em geral têm mais questões a colocar do que respostas a dar, não podem permanecer em silêncio. E, aqui, retomo a crítica à posição do repórter da revista VEJA ao supervalorizar as ciências exatas, pois, na "escola defendida" por ele, os alunos estão destinados ao silêncio. Na escola defendida por mim, a Filosofia e a Sociologia, que são discurso, devem estar presentes e vale a pena insistir na necessidade de interrogar.
Itajubá, 31/03/10
Profª Msc Marcia Gil de Souza
Coordenadora pedagógica do Curso G9
1 BORTOLOTI, Marcelo, Ideologia na Cartilha. REVISTA VEJA. São Paulo: Ed. Abril, ed. 2158 – ano 43 – nº 13, p. 116-117, 2010.
2 CHAUI, Marilena. A Supressão da Filosofia. São Paulo: Moderna,2006,p 405 in ARANHA, MªLúcia de Arruda. História da Educação Brasileira.
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É um desafio grande lutar pela valorização da Filosofia e da Sociologia numa sociedade que já estabeleceu como modelo de inteligência e capacidade as ciências exatas. Para isso acontecer, a escola deve rever seus conceitos curriculares e os valores que dá para as duas ciências. Os professores, em seus discursos, devem tentar reverter o modelo positivista dos currículos escolares, promovendo a interdisciplinaridade entre as disciplinas das diferentes áreas.
ResponderExcluirA reportagem do jornalista da VEJA somente retrata o que pensa quase toda a sociedade sobre Matemática, Filosofia e Sociologia. Como mudar esse quadro? Como alterar um modelo sacramentado como esse? Vale a pena lutar por isso, mas será difícil, pois isso exigirá bons professores dessas disciplinas, que não sejam tão anti-éticos a ponto de passarem ideologias tão pessoais aos alunos.
ResponderExcluir“... Essa queixa nos conduz ao efeito do ensino médio sem Filosofia e Sociologia. Sistematicamente cortados de uma relação significativa com a linguagem e com todas as vias expressivas, os estudantes não sabem ouvir, ler e escrever. Num ensino médio que supervaloriza as ciências exatas, a linguagem é reduzida à dimensão meramente denotativa ou indicativa."
ResponderExcluirComentário: - O trecho grifado é um fato e fica uma pergunta: - Nós professores temos ou não culpa? Como foi nossa formação? Em minha licenciatura frequentei por quatro meses uma disciplina chamada Sociologia I, mas que deveria ser chamada de Ideologia I, já que servia mais para o regime impor seus ideiais ou dirigir nossas idéias (é preciso ter cuidado para que isso não se repita nas escolas públicas, seria essa a preocupação do repórter da Veja?). Já em filosofia, bom, pode parecer estranho, mas Filosofia e Matemática, pelo menos na minha licenciatura eram meramente cursos universitários à parte, distantes, muito distantes um do outro.
Mais exatas?
Em um mundo dos “solitários cibernéticos”, onde as máquinas parecem pensar por nós, creio que as duas disciplinas voltaram em boa hora. Muitos dos alunos que ainda questionam (a Filosofia está aí para isso) o porquê de não ter mais aulas de exatas, em breve entenderão a importância da relação entre filosofia e exatas, pois entendo que a existência de números e equações como tais são hoje tiveram questionado à exaustão os seus porquês. A sabedoria e a intelectualidade estão dentro do homem e que só é verdadeira quando entendida e transmitida.
pensar é um recurso humano imprescindível e portanto precisa ser exercitado tanto para produção de explicações sobre aspectos relevantes da realidade,quanto para constituição de sentidos desta realidade e de si mesmos.É por isso que devemos, desde cedo dar oportunidade a crianças e jovens para pensarem reflexiva e criticamente sobre as questões que dizem respeito à constituição de tais sentidos.
ResponderExcluirNo final da década de 60, o professor norte-americano Dr, Matthew Lipman, preocupado com o desempenho insuficiente de seus alunos, criou um Programa de Filososfia para Crianças visando desenvolver habilidades cognitivas mediante discussões de temas filosóficos, com o objetivo de incentivar crianças e jovens a filosofar.Segundo ele, a filosofia pode contribuir para a formação da autonomia e criticidade desenvolvendo um pensamento crítico, criativo e cuidadoso, que ele denomina pensamento de ordem superior.
Para Lipman, o melhor lugar para se desnvolver esse pensamento de ordem superior, é a sala de aula, deve ser tranformada numa comunidade de investigação cuja base é o diálogo, o respeito, a corerência e a coesão.
Portanto, se quisermos que nossas crianças e jovens pensem por si mesmos, saibam dar boas razões para seus pensamentos, tenham uma percepção ética mais aguçada,sejam coerentes e tornem-se cidadãos capazes de oferecer contribuição pessoal na construção de uma sociedade mais ética, devemos realizar uma verdadeira EDUCAÇÃO PARA O PENSAR, e a filosofia é o caminho, mas tem que ser desde bem cedo. Afinal, para que começar só no ensino médio?
Professora Ana Cristina