Como esse ano a proposta para a Feira do Conhecimento é a discussão sobre o que é identidade e, se realmente existe uma identidade brasileira, acho oportuno o pensamento de Guy Debord (Paris, 28 de dezembro de 1931 - 30 de novembro de 1994).
Em termos gerais, as teorias de Debord atribuem a debilidade espiritual, tanto das esferas públicas quanto da privada, às forças econômicas que dominaram a Europa após a modernização decorrente do final da segunda grande guerra. A Sociedade do Espetáculo é o trabalho mais conhecido de Guy Debord. Lançado na França em 1967, A Sociedade do Espetáculo tornou-se inicialmente livro de culto da ala mais extremista do Maio de 68, em Paris; hoje é um clássico em muitos países.
O “espetáculo” de que fala Debord vai muito além da onipresença dos meios de comunicação de massa, que representam somente o seu aspecto mais visível e mais superficial. Debord explica “que o espetáculo é uma forma de sociedade em que a vida real é pobre e fragmentária, e os indivíduos são obrigados a contemplar e a consumir passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em sua existência real”.
Passamos recentemente por um fenômeno de audiência da televisão brasileira que foi o Big Brother Brasil 2010. Mesmo não assistindo aos programas diários era impossível não tomar conhecimento do que acontecia dentro da “casa”. A discussão estava instalada no dia-a-dia das pessoas e nas diferentes esferas da sociedade. Milhares de brasileiros acompanharam o cotidiano de pessoas que nunca tinham visto antes e passaram a seus “parentes, amigos, admiradores ou até inimigos”. Como isso é possível?
Se a existência real é pobre, como afirmou Debord, as pessoas precisam de outras motivações e passam a olhar para os outros (artistas, políticos e celebridades instantâneas como as criadas pelo Big Brother) e essas pessoas desconhecidas tornam-se uma imagem, e as imagens tornam-se realidade. Essa “nova realidade” passa a fazer parte de suas vidas porque o glamour que falta à vida real recupera-se no plano da imagem.
Como professora de Arte, reconheço a importância das imagens: “Uma imagem vale mais que mil palavras” já dizia Kunf Fu Tsé (Confúcio), conhecido sábio chinês. Mas, atualmente, há uma super valorização da imagem. Ainda segundo Debord, “Enquanto a primeira fase do domínio da economia sobre a vida caracterizava-se pela notória degradação do ser em ter, no espetáculo chegou-se ao reinado soberano do aparecer. As relações entre os homens já não são mediadas pelas coisas, como no fetichismo da mercadoria de que Marx falou, mas diretamente pelas imagens.” Fica fácil entender o que disse Debord porque vivenciamos a preocupação da sociedade atual com a aparência: compra-se um determinado bem não pela sua necessidade, mas pelo que ele representa, o status que ele proporciona. Não basta ter um celular e sim o último que foi lançado; ter um carro novo já não é suficiente, mas ter o “último tipo” é que vai criar uma imagem de poder.
As conseqüências dessa super valorização ou mesmo exploração da imagem têm sido graves: o consumismo desenfreado e mais grave ainda a desvalorização do ser e do ser humano.
Como os meios de comunicação de massa e a indústria cultural utilizam-se desses recursos, eles podem ser responsabilizados pela transformação das identidades na contemporaneidade? Com as mudanças estruturais ocorridas nas sociedades nas últimas décadas, estaríamos vivendo uma crise de identidade nos planos individual e coletivo?
Anabel Faria Floriano Ribeiro
segunda-feira, 12 de abril de 2010
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O problema abordado pela profª Anabel é bastante pertinente, não só pelo viés da identidade comentado de maneira brilhante por ela (valemos mais pelo que temos do que pelo que somos, a aparência é mais importante do que a essência), mas por outras consequências sociais:a depressão gerada pela insatisfação que o TER nos traz, a eterna e inútil busca da felicidade pela via do consumo, a violência gerada por roubos daqueles que buscam atender a padrões de aparência ditados por grupos sociais (roubam-se tênis de marca, bonés, celulares,etc), a busca da ideologia através das drogas, dentre outras inúmeras consequências que a crise de identidade nos traz. Enfim, a questão da identidade é séria e de múltiplas faces.
ResponderExcluirPara encerrar, eu responderia as duas perguntas que você fez, profª Anabel, com duas outras: Independente de quem é o responsável pela crise de identidade que estamos vivendo, pergunto: Qual o papel da escola nessa crise? Estamos atentos às novas configurações sociais que nossos jovens têm mostrado (identificação com novas tecnologias, identidades digitais, novas redes sociais de comunicação) e mudado nossas estratégias de construção do conhecimento em sala de aula, a fim de ajudá-los a se entenderem nessa transição pela qual passa a sociedade?
Parabéns, profª Anabel, você não poderia ter sido mais feliz na abordagem que fez. Vale uma boa discussão filosófica.
Excelente post!! Este é realmente um tema mto pertinente.
ResponderExcluirNão acho q devemos responsabilizar a mídia por essas mudanças. Acho essa seria uma saída mto comodista. Sem dúvida a mídia acelera e fortalece esse processo, mas o ser humano parece ter uma tendência pela busca do poder e do status.
Na minha opinião, o caminho para se deixar de seguir esses exemplos explorados pela mídia é a capacidade crítica. E é aí que acho q entra a escola, q deveria não apenas nos ensinar a passar no vestibular, mas fornecer conhecimento para que cada um forme sua opiniaum e naum seja apenas só mais um no meio do rebanho, "vitíma" do que a mídia expõe.
É preciso estar atento e forte, como diz o poeta. A ordem vigente da “sociedade do espetáculo” cria uma lógica, uma dinâmica de vida, que vai se afirmando como “natural”, normal, definitiva e penetra fundo em nós, moldando nossa maneira de sentir, de pensar, de agir, de ser. A imagem, por exemplo, tão bem abordada no texto pela professora Anabel, é instrumento de educação: educação para a egolatria, para o consumismo, para a mercantilização. É especialmente nesse contexto que nós educadores atuamos. Por isso tantas perguntas se sucedem, compartilhando a mesma preocupação: Qual o verdadeiro sentido de nossa ação como docentes? O que realmente podemos fazer em nossa prática pedagógica? Para que serve a escola? Qual educação, para qual sociedade? Perguntas fundamentais que não são novas, mas que nos atormentam quando não encontramos as respostas ou os caminhos que levarão nossos alunos a tornarem-se mais humanos, mais responsáveis e mais capazes, a fim de que não se entreguem à lógica da sociedade do espetáculo.
ResponderExcluirAs reflexões precedentes nos alertam e nos instigam a continuar a caminha na busca de uma educação com sentido ético, solidário, que leve à atitudes que transformam. E o saber necessário para qualquer educador comprometido com essa proposta é, primeiramente, o da compreensão da realidade. O texto postado pela professora Anabel, promove uma boa reflexão sobre essa realidade para nela continuarmos atuando de maneira consciente.
Anabel,
ResponderExcluirAo ler o seu post, achei interessante a retomada de um parágrafo que redigi para meu trabalho de redação com os meninos do M31 e PV1. Apesar do assunto ser "violência", a reflexão me parece perfeitamente aplicável dentro dos questionamentos apresentados. Vamos a ele:
"A mídia é, definitivamente, um dos mais fortes componentes no imaginário social dos dias atuais. É ela o texto que presentifica as demandas sociais de uma sociedade de direito e de consumo. Nos intervalos da TV ou nos anúncios da mídia impressa, a publicidade executa seu papel de discurso do consumo. Em outras palavras, determina um X que permitirá ao cidadão — ou melhor, ao consumidor — um fugaz sentimento de completude. Há um duplo imaginário funcionando aí: há o ser incompleto a que se permite a possibilidade da sensação de completude a partir da conquista de uma ideia via-objeto; por outro lado, é reforçada a divisão social entre os que podem/devem consumir e os que estão segregados desta posição. Neste último, é importante notar que a mídia trabalha tanto pelo ter quanto pela falta."
A fragmentação de que falo, ironicamente, está fortemente ligada ao processo de uniformização/aculturação decorrente do processo de Globalização. Isto permite, por exemplo, que o tal sentimento de completude, por ser fugaz, faça com que o indivíduo valorize o imediato e deixe de lado o passado.Por isso coisas como arte e história são postas de lado ou mesmo ignoradas.
Até...
Anabel,
ResponderExcluirSeu artigo dispensa qualquer comentário. Excelente! Ele fala por si e nos dá a exata dimensão do vazio dessa sociedade "pós-moderna" na qual não mais existe, ou é valorizada, a verdadeira educação de uma sociedade. Não aquela ditada pelo sistema vigente, mas aquela educação dialética que tanto pregou Paulo Freire. O capitalismo venceu, mas o que temos a comemorar nessa sociedade pós-moderna e neo-capitalista?
Somente os valores ditados pelo mercado onde a moeda é o único bem de valor, a tal ponto que o que impera é a inversão de valores e a imbecilidade do ter sobre o ser, trazendo com ela o imenso vazio espiritual, desprovido de qualquer valor perene.
Parabéns!
Anabel, adorei seu texto! Bom o que eu posso te dizer a respeito do que entendi dele é que a sociedade do espetáculo gera dentro de todos nós e eu me incluo nisso também, uma verdadeira angustia perante a vida. Eu quero dizer com isso que se o que importa na contemporaneidade é a imagem, a tentativa de ser diferente, tentando partir por outra via causa uma luta interna e um estado de angustia resultando em nós um questionamento interno constante. Claro que isso não é algo negativo pois nos leva buscar caminhos diferentes para reelaborar o que é verdadeiro e significativo para cada um. Eu digo isso porque se você não deseja participar dessa valorização do ter, logo pode ser enquadrada pela sociedade como alguém que na realidade não deu certo. Não sei se consegui passar o que o seu texto gerou em mim quando li, mas em resumo acredito que de qualquer forma todos nós sofremos com as conseqüências dessa ordem instalada . O caminho, claro, parte da educação, mais não é qualquer educação, não é a simples transmissão de conhecimento porque isso eu acredito que não muda ninguém, mas sim a formação humana com a reflexão daquilo que é essencial para a nossa existência no mundo de forma significativa e não apenas como mero espectadores, prontos a reproduzir o que nos é imposto por todos os meios.
ResponderExcluirParabéns, você escreve mesmo muito bem!!!