Educação Permanente

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

OS EXCLUÍDOS DA LEI: O LONGO CAMINHO DA DEMOCRACIA

No dia 05 de outubro de 1988, exatamente há 22 anos atrás, era promulgada a atual Constituição Federal do Brasil, chamada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães. Para demonstrar a mudança que estava havendo no sistema governamental brasileiro, que saía de um regime autoritário recente, a Constituição de 1988 qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o Estado democrático e a ordem constitucional, criando assim garantias constitucionais. Com a nova lei, o direito maior de um cidadão que vive em uma democracia foi conquistado: foi determinada a eleição direta, que previa uma maior responsabilidade fiscal e ainda ampliava os poderes do Congresso Nacional.
Este artigo, destarte, pretende analisar a conjuntura social decorrente da falta de uma participação política plena, embora atualmente a realidade brasileira seja inovadora politicamente, já que no ano de 2000 houve a primeira eleição totalmente informatizada do mundo, 110 milhões de pessoas escolheram prefeitos e vereadores de 5559 municípios. Ainda é um fato considerado extremamente novo na medida em que somente há 22 anos a legislação prevê a participação política aos analfabetos.
Atualmente, mais de 135 milhões de brasileiros podem votar para presidente, o que faz do país a terceira maior democracia do planeta. Um avanço extraordinário se comparado à época da ditadura militar, em que apenas 476 brasileiros dos mais de 100 milhões votavam para presidente da República.
Da fundação da Vila de São Vicente, em 1532, até a abertura democrática da Constituição de 1988, o direito do voto sofreu várias restrições, como a exigência de uma renda mínima e a exclusão feminina. O voto é a mais antiga ferramenta do brasileiro para exercer sua cidadania e escolher seus representantes.
O direito à participação política através do voto pelos analfabetos faz parte há pouco tempo da história do Brasil. A história do sufrágio universal, o direito do ser humano de escolher de forma livre seus representantes mediante o voto é recente, mas ainda incompleta. Neste momento, menos da metade das pessoas do planeta vive em regime democrático, mas essa situação já é considerada um grande avanço.
As primeiras eleições do Brasil colônia provavelmente ocorreram ainda no século XVI, na primeira vila fundada na América Portuguesa, São Vicente. Os moradores teriam elegido o Conselho Municipal seguindo a legislação portuguesa através do Livro das Ordenações. As decisões sobre a vida cotidiana dos colonos cabiam às Câmaras Municipais, responsáveis pelo governo das vilas e cidades. Somente os ‘homens-bons’, em geral proprietários de terras e de escravos, podiam ser eleitos vereadores. Aqueles que exerciam trabalhos manuais, os degredados e os não-cristãos não podiam ser eleitos. De forma que o comando político das vilas e das cidades estava nas mãos de uma minoria. A economia passava pela política, recorria ao sistema de mercês e a participação nas câmaras municipais para a formação das famílias poderosas.
Durante o período colonial brasileiro até quase o fim do Império, só podiam votar e ser votados nobres, burocratas, militares, comerciantes ricos, senhores de engenho, em resumo, homens de posse, mesmo sendo considerados analfabetos. Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, o príncipe regente que mais tarde iria se tornar o rei do império português convocou eleições para os cargos da corte. As vagas sempre eram ocupadas por membros da elite brasileira. Nessa época, os iletrados poderiam participar das eleições, porque o requisito fundamental era a posição social e, consequentemente, a renda anual.
O Brasil e os brasileiros, tal como entendemos hoje, não existiam no período colonial. Os habitantes da colônia em geral se identificavam como súditos do rei de Portugal e integrantes do reino português, submetidos às leis do código português e aos interesses dos homens-bons. Com a Independência, em 1822, o Brasil surgiu como Estado nacional com instituições e leis próprias. Entretanto, o poder político ainda estava nas mãos de uma minoria que zelava pela manutenção de seus interesses e privilégios. A população, em sua maioria analfabeta e pobre, estava excluída da participação política.
O sistema eleitoral do Segundo Reinado continuou baseado no voto censitário e masculino. A população pobre e marginalizada, excluída das eleições pela exigência da renda mínima, não participava das disputas político-partidárias do período.
Aprovado em janeiro de 1881, um decreto do primeiro-ministro do Império, José Antonio Saraiva, estabelecia eleições diretas para as câmaras e assembleias. Algumas províncias foram divididas em distritos, e eleitores com renda mínima anual de 200 mil-réis foram cadastrados. Em 1882, foram excluídos os analfabetos, já que era necessário assinar um documento. Ainda durante o século XIX existia o eleitor fósforo, assim chamado porque, nessa época, a urna parecia com uma caixa de fósforos e esse tipo de eleitor participava várias vezes em uma única urna ou até mesmo em outras, usando identificações falsas ou de pessoas mortas.
A transição do Império para a República é a primeira grande mudança de regime político após a Independência. Tratava-se da implantação de um sistema de governo que propunha a participação política popular.
A Constituição de 1891 elimina o voto censitário, mas exige ainda a alfabetização, de modo que a grande maioria da população não participava da sociedade política. Retirava do Estado o ônus da educação, impossibilitando o processo de democratização.
Na verdade, 80% da população estava excluída do direito político. A República não tinha aumentado a participação política do povo. Ao contrário, o novo regime frustrara a população, não cumprindo suas promessas de cidadania. Em geral, as pessoas preferiam ser cidadãos inativos, porque as eleições eram marcadas pela violência.
Durante o início da primeira república, a Constituição de 1891 determinou a eleição direta, embora o primeiro presidente tenha sido eleito por uma assembleia. Nesse período, predominava uma prática que perdurou até a revolução de 30, a qual exercia poder de coerção e intimidação sobre os eleitores. Estabelecido na lei de 1904, denominada de Lei Rosa e Silva, o mecanismo funcionava da seguinte forma: haviam duas cédulas, uma para a urna e a outra que seria entregue para um fiscal eleitoral, que preenchia, datava e rubricava a cédula.
Em 1932 ficou estabelecido o voto secreto, obrigatório, para maiores de 21 anos sem distinção de sexo. Assim, inicia-se a participação política das mulheres. Contudo, em 1934 a idade mínima passou a ser 18 anos. O título eleitoral deveria ter foto, mas essa ideia só foi integrada ao sistema eleitoral em 1955.
Com o fim do Estado Novo e a deposição de Vargas do poder executivo. Dutra se tornou seu sucessor e proclamou a quarta Constituição brasileira, que não previa a maioria absoluta dos votos para os candidatos à presidência. Alguns presidentes eleitos como Getúlio na década de 50, JK e Jânio receberam menos da metade dos votos. A cédula passou a ser confeccionada pela Justiça Eleitoral, já que antes ficava na responsabilidade dos candidatos. Outro detalhe a ser destacado desse período é a chamada “lei do dedo sujo”, aprovada em 1955, na qual todos os eleitores teriam o dedo marcado à tinta para identificar aquele que já teria participado da eleição. Lei que foi revogada meses depois.
O chamado “voto colorido”, criado em 1962 e revogado logo depois de um mês de sua aprovação, consistia em que todos os partidos políticos escolheriam uma cor, para a realização de cédulas coloridas de modo a facilitar a identificação.
Com a redemocratização e a liberdade de imprensa, perdia-se o medo de denunciar os poderosos e se iniciava um período de ajustes de contas. Na verdade, os brasileiros esperavam que a democracia solucionasse todas as mazelas do país; a corrupção e a punição dos crimes cometidos em nome da ditadura eram apenas alguns deles. A esperança de que o Brasil se tornaria um país mais justo e próspero em um futuro próximo iria desmoronar em pouco tempo, com o fracasso do plano cruzado e a hiperinflação. Alguns temores não se concretizaram e as conquistas democráticas sobreviveram e se fortaleceram.
A República, passado o momento inicial de esperança de expansão democrática, consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral, com a exclusão do movimento popular no governo. Na verdade, consolidou-se no poder oligárquico. Se a mudança de regime político despertou em vários setores da população a expectativa de expansão dos direitos políticos e de redefinição de seu papel na sociedade, as próprias condições sociais do país fizeram com que as expectativas se frustrassem. O setor vitorioso da elite civil republicana criou todos os obstáculos à democratização.
Ainda hoje, livre da tarefa de representar o país, e tendo conquistado o direito de eleger seus representantes, a população não consegue transformar sua capacidade de participação comunitária em participação cívica. A atitude popular perante o poder oscila entre a indiferença e a reação violenta.
Desde o início do período colonial até a proclamação da Constituição de 1988, o direito à participação política sofreu limitações, a população aparecia em muitos momentos como expectadora, e às vezes até figurante. Mas mesmo que a vitória não tenha sido traduzida em mudanças políticas imediatas, a luta pelo direito ao voto certamente deixou um sentimento de orgulho e auto-estima, passo importante para a formação da cidadania.
Texto elaborado pela profª Patrícia Abbud, que ministra História no Curso G9.

2 comentários:

  1. Patrícia, muito apropriada a escolha do tema de seu artigo. Alem de interessante sob o ponto de vista histórico, o artigo nos lembra do quanto é importante e o quanto foi difícil a conquista do voto. Cabe a nós conscientizarmos aqueles que pretendem anular o voto, de que esse ato significará jogar fora décadas de suadas conquistas sociais. Parabéns!

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  2. Um texto bem elaborado e com muita informação .. Isso me ajudou no meu trabalho de geografia, por isso, estou GRATA.

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