Educação Permanente

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Reflexão socio-filosófica sobre o bullying

Quando não há vínculos, há o bullying

Atualmente, é recorrente no meio escolar a preocupação com um fenômeno bastante antigo, mas de conceituação recente, o bullying. Este artigo aborda o bullying como consequência de um processo de desvinculação humana promovido pela estrutura econômica acompanhada pelas novas tecnologias de comunicação, sem a pretensão de ser mais uma problematização dos efeitos desta prática no processo de ensino-aprendizagem e de formação e autoafirmação do indivíduo, promovidos pelo ambiente escolar. Para tanto, primeiro, definiremos o que entendemos por vínculo.
O vínculo é algo que sempre norteou a existência humana. Os primeiros hominídeos surgiram em um ambiente extremamente hostil, eram animais que estavam se deslocando de um estilo de vida nas árvores, para um nas savanas, portanto não eram realmente adaptados, nem para um nem para outro; eram animais frágeis, não possuíam grandes mecanismos de defesa, não possuíam garras, chifres, presas, veneno ou qualquer outro tipo de proteção, inclusive sua estatura era muito convidativa a ataques de predadores. É incrível pensar que este mesmo animal iniciou um processo evolutivo que o levaria ao topo da cadeia alimentar. Mas como?
Mesmo sendo impossível dar uma resposta definitiva para este questionamento, podemos ao menos levantar os fatores que contribuíram para esta escalada evolutiva. Dentre eles daremos destaque à capacidade humana de estabelecer vínculos.
O vínculo é um sentimento “de fazer parte”, que surge das relações sociais (institucionais ou não) e é expresso pela adesão do indivíduo aos valores do grupo. A sociologia entende o homem como um ser social, o que significa afirmar que só possuímos as qualidades do que consideramos “humano” quando vivemos em sociedade. Temos vários casos de pessoas que foram privadas do convívio social e desenvolveram comportamentos não aceitáveis pela sociedade como, por exemplo, o de Kaspar Hauser (Alemanha - século XIX) e o das irmãs Amala e Kamala (Índia - século XX). São as relações humanas que produzem os valores, ou seja, as ideias que dão significado às nossas ações. Ao conjunto de valores produzidos e reproduzidos por um povo damos o nome de cultura. A cultura, portanto, não é algo estático, pelo contrário, é uma eterna construção, o que nos faz afirmar que os valores de uma sociedade são históricos, dialogam com o espaço e o tempo.
Igualmente, a história é outro produto humano, a consciência da ação de seu grupo sobre o meio e o relacionamento dele com outros grupos ao longo do tempo é o motor do processo de formação de identidade, ou seja, de reconhecimento de sua história e de sua cultura. Fica claro, portanto, a importância do vínculo para a existência não só de uma identidade social, mas também de uma identidade individual, pois o indivíduo só tem consciência de si em oposição ao coletivo. Sendo assim, não seria exagero afirmar que a perda dos vínculos é algo que põe em risco a sociedade.
E afinal, onde se encaixa o bullying nesta reflexão? Simplesmente ele é o mais novo fenômeno desencadeado pelo sentimento “de não fazer parte” típico do processo de desvinculação. O foco deste problema deve ser, então, mais o porquê de hoje observarmos um aumento na ocorrência deste processo, do que os efeitos deste tipo de comportamento para o funcionamento social.
O processo de desvinculação do homem não é recente e, aliás, sempre existiu, pois seria ilusão acreditar que os valores de uma sociedade são aceitos unanimemente pelos indivíduos, a novidade é que a contemporaneidade intensificou este processo ao ritmo de uma progressão geométrica, efeito das estruturas adotadas pelo sistema capitalista.
Segundo Karl Marx, o capitalismo desumaniza o homem através do que conceituou como alienação do trabalho. Para o autor, o capitalismo reduziu a sociedade a duas classes: a burguesia, detentora dos meios de produção (terra, ferramentas, técnicas, matéria-prima); e o proletariado, detentor da força de trabalho. Como não possuem meios de produção, os proletários são obrigados a vender sua força de trabalho à burguesia, a alta oferta de mão de obra, por sua vez, diminui seu valor. Por fim, o salário recebido é baixo e raramente suficiente para garantir ao trabalhador o produto final de seu trabalho. Assim, no sistema capitalista, muitos são obrigados a viver em condições subumanas, o homem é privado de sua liberdade e a sociedade deixa de fazer sentido. Quebra-se assim o vínculo.
Mas não é apenas a estrutura produtiva a quem podemos responsabilizar, a questão se apresenta também como um problema ético-comportamental. Sob a perspectiva de outro teórico, Max Weber, o espírito capitalista contém muito do individualismo característico da ética protestante, outro componente contrário à identificação e ao vínculo. Mas o que realmente vamos problematizar é o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e os efeitos que acarretam ao vínculo social.
A história das tecnologias da comunicação se relaciona de maneira direta com o capitalismo. Da invenção da escrita (4000 a.C.) até o Renascimento, não houve muitos progressos no que diz respeito às tecnologias de comunicação, as inovações se deram a partir da era Moderna. A invenção da prensa por Gutenberg significou algo semelhante à invenção da internet em nossa era; salvaguardadas as devidas proporções, a consequência foi uma dinamização no processo de produção e circulação de informações. Mas o efeito daquela invenção foi exatamente contrário aos de hoje: estimulou o vínculo social. Foi somente com o resgate dos valores e saberes clássicos promovidos pelo humanismo que pôde se desenvolver na Europa a ciência e a filosofia moderna.
Na filosofia, a modernidade foi marcada pelo Iluminismo, corrente de pensamento que trouxe a preocupação com o social, entendia o homem como um ser naturalmente bom, mas que sem a devida orientação e controle, tendia a ser corrompido por experiências ruins, daí a necessidade de promover à sociedade um maior controle. De fato, a sociedade como a conhecemos hoje, deve muito ao Iluminismo, ideias como os direitos inalienáveis (propriedade, liberdades individuais e isonomia), a organização política baseada no sistema de representatividade, a estrutura do Estado dividida entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, e o papel da educação como formadora do indivíduo e de cidadania. Fica patente a contribuição do Iluminismo para a formação do vínculo social, uma vez que incutiu na mentalidade humana valores que estreitaram o compromisso do homem pelo próprio homem.
Entretanto, com a revolução industrial, o mundo começa a se transformar de maneira drástica, as fronteiras naturais e culturais começam a ser transpostas pelo advento de novas tecnologias: energia elétrica, automóveis, telégrafo, telefone, rádio, cinema. Processo intensificado no século XX, cuja grande inovação talvez seja os veículos de comunicação de massa. A televisão, comunicação por satélites, os portáteis (telefonia móvel, computadores, GPS) e a internet, a maior de todas as revoluções. Nunca na história da humanidade se produziu e reproduziu tanta informação, mas além de um maior contato entre os povos e culturas, este processo trouxe várias espécies de intolerância, o ultranacionalismo, o genocídio e o racismo.
Atualmente, esses meios atuando em conjunto criaram um mundo literalmente paralelo, o mundo virtual. O que se percebe é que cada vez mais o homem vem se tornando dependente dessas tecnologias, ao ponto de nossas relações interpessoais estarem sendo intermediadas excessivamente por elas. Some a isto a já mencionada alienação, o individualismo, os problemas sociais e a intolerância, o resultado em nossa sociedade é o enfraquecimento do vínculo humano. A falta de contato ente os indivíduos é preocupante, pois somente ela poderia resgatar os valores necessários para frear esste processo e promover a identificação entre os indivíduos.
O fenômeno chamado bullying se enquadra perfeitamente nessa problemática e sua abordagem excessiva acaba por contribuir ainda mais para sua ocorrência. As novas gerações, precoce e totalmente integradas às novas tecnologias, se isolam cada vez mais do contato humano e, quando este acontece, muitas vezes é conflitante, pois, pelo pouco contato, há baixa tolerância às diferenças. Não acreditamos que não exista o bullying, mas sim que sua supervalorização torna problemas corriqueiros de relacionamento, que os indivíduos são obrigados a superar, um “crime”. Quando isso acontece, o problema acaba envolvendo autoridades: pais, professores e, em casos extremos, até mesmo o sistema judiciário, o que nos torna cada vez mais dependentes de intermediações para nossos relacionamentos.
Cabe, por fim, às instituições sociais e autoridades correspondentes, ficarem atentas ao bullying, para que saibam não apenas intervir menos nas relações interpessoais, para intervir melhor quando realmente necessário, caso contrário, estaremos banalizando não só o fenômeno em si, mas principalmente as relações humanas.

Artigo produzido pelo prof. de Sociologia Petrus Ferreira Ricetto - Curso G9

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Bullying nas escolas

Penso que a notícia abaixo interessa a todos. Boa leitura!

Senado aprova projeto que responsabiliza escolas por bullying
A Comissão de Educação do Senado aprovou no dia 14/06 o projeto de lei - de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF) - que responsabiliza as escolas, públicas ou privadas, por episódios de bullying. A proposta foi aprovada em caráter terminativo e seguirá agora para apreciação da Câmara dos Deputados.
O senador quer que os estabelecimentos de ensino fiquem incumbidos de inibir situações em que os estudantes estejam expostos a agressões de colegas. Além disso, o texto aprovado prevê que as escolas devem garantir um ambiente seguro e prevenir o bullying.
Caso também seja aprovada na Câmara, a matéria deverá ser incluída na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
O bullying é caracterizado, na maior parte dos casos, por agressões físicas e verbais e perseguições de colegas a alunos. Em alguns casos, a vítima desenvolve depressão, perde o interesse pelos estudos e chega a abandonar a escola.

Vejam a legislação na íntegra:
SENADO FEDERAL
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 228, DE 2010
Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional), para incluir entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino a promoção de ambiente escolar seguro e a adoção de estratégias de prevenção e combate ao bullying.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 12 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IX:
“Art. 12. ......................................................................................................................................................
.......................................................................................
IX – promover ambiente escolar seguro, adotando estratégias de prevenção e combate a práticas de intimidação e agressão recorrentes entre os integrantes da comunidade escolar, conhecidas como bullying.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O fenômeno do bullying vem ocupando espaço crescente entre as preocupações de educadores, pais e atores políticos. O termo em inglês, consagrado na literatura, refere-se a um conjunto de práticas recorrentes de intimidações e agressões, perpetradas sem motivação aparente contra uma mesma vítima. Assim, caracteriza-se como bullying extenso leque de comportamentos violentos observados sistematicamente nas escolas – e também em outros ambientes sociais, como prisões, quartéis e até mesmo ambientes de trabalho. Entre as manifestações desses comportamentos incluemse: insultos, intimidações, apelidos pejorativos, humilhações, amedrontamentos, quebra de pertences, isolamento, assédio moral, além de violência física propriamente dita.
Os efeitos do bullying são deletérios, causando enorme sofrimento às vítimas. Isso é ainda mais grave quando se trata de bullying nas escolas, por afetar indivíduos de tenra idade, cuja personalidade e sociabilidade estão em desenvolvimento.
Além disso, a vulnerabilidade das vítimas costuma ser acentuada pelo fato de apresentarem alguma característica que as torna “diferentes” da maioria dos alunos justamente o que as faz alvos preferenciais dos praticantes do bullying.
Embora os estudos sobre o problema sejam relativamente recentes, alguns amplos consensos já se estabeleceram entre os especialistas sobre as melhores formas de prevenir e combater o bullying nas escolas. A conscientização da comunidade escolar, o desenvolvimento de estratégias adaptadas a cada estabelecimento de ensino e o protagonismo dos próprios alunos nesse processo são alguns deles.
Do ponto de vista da legislação brasileira, embora o bullying não seja especificamente abordado, várias são as normas que, de maneira indireta, aplicam-se a ele. Entre elas, destacamos o próprio texto constitucional, em diversos dispositivos do art. 5º, que enumera os direitos e deveres individuais e coletivos, e também no art. 227, que trata do dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Da mesma forma, vários artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, podem ser invocados no combate ao bullying. Entre eles, incluem-se os arts. 3º, 4º, 5º, 15, 16, 17, 18, 56 e 70. Nos casos que chegam à Justiça, podem aplicar-se os dispositivos relativos à prática de atos infracionais e às medidas de proteção e socioeducativas correspondentes (arts. 98-130).
O art. 232, por sua vez, que define como crime “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento”, punível com detenção de seis meses a dois anos, pode ser utilizado para garantir a responsabilização dos estabelecimentos de ensino que se omitirem contra o bullying.
Há, ainda, diversos dispositivos do Código Penal, do Código Civil e mesmo do Código de Defesa do Consumidor que têm sido utilizados pelo Poder Judiciário em decisões relativas ao tema. Tais decisões resultam na aplicação de sanções administrativas, trabalhistas, civis ou criminais aos agressores, a seus pais e à própria escola, dependendo do grau e da extensão dos danos causados pelo bullying.
Pelo presente projeto de lei, buscamos trazer o tema para a legislação educacional. Como só recentemente o problema do bullying passou a ser reconhecido e estudado – provavelmente pelas enormes proporções que atingiu com a disseminação das modernas tecnologias de informação e comunicação –, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) não menciona especificamente o assunto.
Assim, pretendemos incluir na LDB, precisamente no dispositivo que enumera as incumbências dos estabelecimentos de ensino, a obrigação de promover ambiente escolar seguro, por meio de estratégias de prevenção e combate ao bullying.
Julgamos que essa abordagem seja a mais adequada, pois evita a padronização das medidas a serem adotadas – as quais devem ser definidas de acordo com a realidade vivida em cada escola –, além de contornar o risco de tipificar condutas já tratadas no arcabouço jurídico competente, de forma mais genérica.
Diante da gravidade do problema, estamos certos de contar com o apoio do Congresso Nacional para a aprovação do presente projeto de lei.
Sala das Sessões,
Senador GIM ARGELLO

Profª Marcia Gil de Souza
Coordenação Pedagógica Curso G9