Educação Permanente

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Debate sobre o ensino médio

Transcrevo parte de uma entrevista do ministro Fernando Hadadd,referente a ENEM, vestibular e outras abordagens do nosso interesse.

O Estado de São Paulo, 08/08/2011 - São Paulo SP
'O fim do vestibular não é o fim do mérito'
O ministro Fernando Haddad (Educação) diz que o Enem ajuda a 'enxugar' o currículo do ensino médio

Lisandra Paraguassu e Rui Nogueira

Admitindo que o ensino médio foi o que menos reagiu às políticas públicas, o ministro da Educação, Fernando Haddad, espera que o Enem promova a racionalização do currículo e os governo estaduais invistam com prioridade. "Sem ufanismo", ele avalia que há uma reação na qualidade do ensino, que deve ser alavancada pelo Plano Nacional de Educação (PNE). O ministro não teme a profusão de emendas feitas pelos deputados, muitas delas preocupadas apenas com reivindicações trabalhistas dos professores. A seguir a íntegra da entrevista ao Estado:
O senhor diz que alguns temas da sua área precisam ser mais explorados e mais bem discutidos. Quais são eles?
FERNANDO HADDAD - O debate sobre educação não tem sido pautado pelas coisas relevantes. Temos três projetos importantes no Congresso sobre os quais eu tive pouco espaço para falar. Primeiro, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que é pouco noticiado e é um programa da maior importância para o País porque completa as reformas que foram iniciadas. Segundo, a reorganização dos hospitais universitários, cujo projeto de lei foi reenviado com regime de urgência. E, terceiro, o PNE (Plano Nacional de Educação). São três programas da maior importância e eu entendo que temos que falar mais disso. Porque, na nossa opinião, é o mais relevante para o País, sem prejuízo de outras questões que despertam interesse do leitor.

E a profusão de emendas ao PNE?
HADDAD - Esse número de emendas na verdade não assusta, em função de várias razões. Primeiro, o mesmo assunto foi tratado em várias emendas. No caso do financiamento, em mais de 100, por exemplo. Então, se você depurar vai ver que se está tratando de poucos temas e que as emendas não alteram substancialmente as metas, não elevam o número de metas para os patamares dos planos anteriores e trabalham mais com a estratégia, aperfeiçoando as estratégias que o Plano prevê. O Plano está sendo discutido em um momento muito feliz. A OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) acaba de lançar um vídeo institucional sobre o Pisa (em português, Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em que o Brasil é destaque. É a primeira vez na história que o País se destaca positivamente. Todos os destaques eram negativos. Foi o terceiro país que mais evoluiu no Pisa, o que nos valeu um documentário de 20 minutos que está sendo divulgado no mundo todo.

A aprovação do Pronatec, para ampliação do acesso ao ensino médio, não está demorando? O governo da presidente Dilma já está entrando no oitavo mês?
HADDAD - Está trancando a pauta (na Câmara). E nós não retiramos a urgência justamente porque entendemos que é um projeto prioritário. Porque eu estou convencido que o ensino médio brasileiro, que é o que menos reagiu aos estímulos do Ministério da Educação, depende de medidas que estão sendo tomadas - como, por exemplo, o fim do vestibular, a inclusão do no Fundeb, a extensão dos programas de apoio que eram restritos ao fundamental (alimentação, transporte, livro didático) - mas também de ampliarmos o horizonte do jovem. Precisamos ter um segundo turno que permita ao jovem diferenciar seu currículo. Primeiro, ter um currículo mais inteligente no primeiro turno, menos sobrecarregado de conteúdos que ele jamais vai utilizar. É um enxugamento que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) pretende promover e já está promovendo. O segundo movimento é um segundo turno que é direcionado para a cultura, o esporte e o trabalho. Se promovermos esse movimento a partir do Pronatec, com as medidas que já estão implantadas, vamos ressignificar essa etapa de ensino e permitir ao jovem que não deseja ou não está vocacionado para educação superior concluir a educação básica com condições de pleno exercício da cidadania.

Por que o ensino médio foi o que menos reagiu a essas políticas públicas?
HADDAD - Primeiro porque ele recebe menos atenção dos governos estaduais. Segundo, porque o Ensino Fundamental precisava reagir primeiro. Não havia como melhorar o Médio sem melhorar antes o Fundamental. Terceiro, por falta de um equivalente da Prova Brasil no Ensino Médio, que é um papel que o Enem vai cumprir. E quarto, porque precisamos, a partir do Ensino Médio, promover uma reforma que faça com que a escola responda às expectativas dos estudantes, e não só o estudante às expectativas da escola. Por isso essa diferenciação do currículo com um primeiro turno mais inteligente e um segundo turno mais abrangente do ponto de vista das possibilidades de desenvolvimento intelectual. Essa mudança é que vai completar a reforma dessa etapa.

Inicialmente, uma das fontes pensadas pelo MEC para o Pronatec era o dinheiro do "Sistema S". Como ficou o resultado dessa discussão?
HADDAD - Está prevista em lei a bolsa formação para estudantes do Ensino Médio que vão poder ou fazer o segundo turno em uma escola pública ou nas escolas do Senai e Senac. São duas questões. A do acordo, que vai até 2014, que prevê que 2/3 das verbas de contribuição compulsória sobre a folha de pagamentos seja destinada à gratuidade. Esse acordo vem sendo monitorado e está sendo cumprido. Paralelamente, há uma espécie de duplicação do "Sistema S", que tem outro foco, não exclusivo no trabalhador, mas nos estudantes de Ensino Médio, que nós pretendemos integrar ao Pronatec.

Mas, além disso, havia a questão de uma dívida do "Sistema S" com o governo federal por conta do recolhimento de recursos do salário-educação que foram repassados indevidamente ao Sistema. O MEC falava em usar esses recursos para o Pronatec, transformados em bolsas além do que já deveria ser gratuito por lei.
HADDAD - Isso não está dentro do Pronatec porque está sendo cuidado pelo Tesouro Nacional e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Isso não é da nossa alçada.

Um dos pontos que o sr. destaca para a melhoria do ensino médio é o fim do vestibular. O que há de meritório no fim ao vestibular?
HADDAD - As pessoas às vezes misturam dois debates diferentes. O fim do vestibular não significa o fim do processo seletivo ou o fim da meritocracia para o acesso à educação superior. Ao contrário, reforça a meritocracia. Segundo, nós estamos sintonizando o Brasil com os melhores sistemas do mundo. Os sistemas universitários chinês, americano, francês, alemão, não têm esse expediente de cada instituição fazer o seu processo seletivo, porque isso causa disfuncionalidades de toda ordem no sistema, com a sobreposição de conteúdos cobrados que acabam se transformando num mega currículo intransponível para a escola em três anos. É uma questão de racionalização e reorganização curricular. Se formos considerar um modelo que me parece o mais adequado eu penso que é o do SAT americano, porque permite que o estudante faça o teste mais de uma vez por ano e se valha da melhor nota em um período de tempo para oferecer à instituição na aplicação para uma vaga. Eu entendo que estamos, com essa reforma, dando uma chance real para o Ensino Médio se reorganizar em bases racionais e lógicas. E, na verdade, haverá um reforço da questão do mérito. Porque você morando em qualquer estado americano, se obtém um bom resultado no SAT, disputa uma vaga em Harvard. E ninguém lembra de Harvard como uma instituição do estado onde ela se encontra. É uma instituição, aliás, aberta para o mundo. Boa parte dos seus estudantes não são americanos.Então, na perspectiva de dar mais robustez para o nosso sistema universitário, eu penso que a seleção em bases nacionais é o que vai promover a convergência de talentos, inclusive por área. Determinadas universidades vão se desenvolver e atrair alunos para determinadas áreas, outras vão se desenvolver em outras. No fim, vai consolidar um sistema que está em expansão, mas precisa se qualificar.

O novo Enem já teve duas edições. O ministério já conseguiu verificar alguma diferença no currículo do ensino médio? Já houve alguma mudança significativa nesse enxugamento que o senhor diz ser necessário?
HADDAD - Eu tenho conversado com professores do ensino médio. A última conversa que tive foi com um professor de Cocal dos Alves (PI), que foi destaque este ano e é recordista de premiação na olimpíada de matemática. Nas palavras dele, o Enem mudou a escola. Eu tenho ouvido muito isso, especialmente daqueles professores muito comprometidos. Os cursinhos estão mudando, está todo mundo se mexendo. É sempre uma questão de ritmo. Em um universo de quase 200 mil escolas a adaptação a um novo regime não é simples.

O Programa Universidade para Todos (ProUni) cresceu muito nos últimos anos, mas nem todos os cursos podem ser considerados de boa qualidade ou mesmo de qualidade razoável. Não há aí um risco de financiamento da mediocridade?
HADDAD - A faculdade ruim não serve nem para o bolsista muito menos ainda para o pagante, que faz um esforço enorme para se formar. Então nós estamos procurando suspender processos seletivos, diminuir vagas de ingresso. Começamos por áreas muito estratégicas - medicina, direito e pedagogia - e já fechamos muitos cursos. Só de medicina já cortamos 800 vagas, mais de 8% das disponíveis. Isso em um País que precisa de mais médicos. A questão da qualidade precisa ser enfrentada. Mas não há como negar que, a partir do momento que se contempla 1 milhão de jovens - vamos fechar esse ano com 1 milhão de beneficiários no ProUni -, na média a vantagem para o jovem de escola pública de baixa renda é inquestionável. Nós estamos mudando a vida de muitas pessoas que não teriam outra oportunidade. É uma rede mais capilarizada que as universidades públicas e até por essa razão...

O MEC tem enfrentado problemas recorrentes de administração. Foi o furto das provas do Enem, os problemas do cabeçalho nas provas seguintes. Agora, recentemente, a cartilha em que o resultado de 10 menos 7 é igual a 4. Como esses erros passam?
HADDAD - É sempre lamentável quando acontece um erro de revisão. Mas o MEC trabalha com quase dois mil títulos. Então, do mesmo jeito que no governo Fernando Henrique Cardoso o Ceará sumiu do mapa, no governo Serra, em São Paulo, outro Paraguai apareceu no mapa. Acontece. Não estou com isso querendo justificar o erro. Tanto é que talvez essa tenha sido a primeira vez que um ministro tenha pedido apoio da CGU (Controladoria-Geral da União) para avaliar o que aconteceu exatamente nesse processo. Nós tomamos as providências cabíveis, reunimos as pessoas que estão usando o livro para fazer as correções devidas. É uma coisa que, infelizmente, acontece, e nós temos que tomar providências para aperfeiçoar o processo. Veja que estamos com o triplo de orçamento com a mesma estrutura. É um ministério que hoje responde pelo quarto ou quinto orçamento do País com a mesma estrutura. O volume de trabalho é muito grande. Isso não justifica, tem que ser apurado, mas em um grande volume de livros e títulos isso pode acontecer. Não deve, mas pode. E eu poderia citar aqui dezenas de falhas de revisão que, infelizmente, às vezes passam. O importante de responsabilizar e apurar é passar uma mensagem para o serviço público em geral que estamos lidando com coisas muito importantes e que esses descuidos não são aceitáveis. Não tive notícia de ninguém ter tomado providências tão duras quanto eu tomei nesses outros episódios que eu citei. As coisas não foram apuradas até fim.

O Enem era um exame de avaliação e passou a ser, na prática, um vestibular nacional. Isso não explica os erros (na impressão e logística) que tumultuaram os últimos exames?
HADDAD - Em relação ao Enem, ele se tornou o que é com o ProUni. Não foi com a reformulação da prova. Com o advento do ProUni nós tínhamos 1 milhão de inscritos e passamos a 3 milhões de inscritos. O grande salto aconteceu em 2005. O que entendemos naquela ocasião: o Enem está preparado para vir a ser o que é o SAT (prova americana). Desde 2005 esse debate vem sendo feito no Brasil. Ocorre que o Enem - e com isso não vai nenhum demérito da proposta original, que teve a melhor das intenções - simplesmente não era aceito pelas universidades de ponta. Porque era considerada uma prova muito fraca. Uma prova completamente insuficiente para o propósito de substituir o vestibular. Em segundo lugar, ele não estava ajustado à Teoria da Resposta ao Item (TRI, que permite comparar provas de anos diferentes). Então, quando o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) traz a proposta de reformular o exame para que ele atenda a esses propósitos a questão da logística já estava equacionada desde 2005, aos olhos do Inep. O Inep não colocou essa questão logística como um ponto importante na hora da tomada de decisão. Colocou a questão pedagógica.

E essa eu penso que o tempo provou que estava correta a mudança. É óbvio que o abalo que o Inep sofreu com a questão do furto teve repercussão no tempo. A logística já vinha sendo tratada desde 2005. O Enem já tinha 3 milhões de inscritos naquela ocasião. Fomos para 4 milhões. De 1 milhão para 3 milhões é uma mudança de patamar. De 3 para quatro milhões é uma evolução quase que natural. Agora, na minha opinião, o equívoco foram as ameaças constantes que o Inep sofria, e sofreu mesmo depois desse episódio, de ser obrigado a licitar o exame. Nenhum vestibular que é uma fração diminuta do Enem faz isso. O maior vestibular do Brasil, que é a Fuvest, representa 2 a 3% do tamanho do Enem. E o grande ponto ali é que, a cada momento que o Inep dizia que não tinha condições de contratar por menor preço por tudo que a operação envolvia, o Inep era ameaçado, inclusive através dos jornais. Esse nó que foi desatado. Naquela ocasião, como nunca apareceu um novo player na licitação, o Inep preferiu não enfrentar o debate com os órgãos de controle e, antes da edição de 2009, promover a mesma licitação que havia sido realizada nos anteriores 13 anos, na confiança de que aconteceria o mesmo que aconteceu. Então, se houve um erro, foi o de não ter, às vésperas daquele exame, ido ao encontro dos tribunais e órgãos de controle e ter explicitado: "Olha, não é possível fazer dessa maneira, nós estamos fazendo dessa maneira porque só tem um concorrente". Mas já é um faz de conta essa licitação porque não há pessoas habilitadas a promover um exame dessa escala. Então nós estamos aqui correndo um risco desnecessário. Vamos dar toda transparência à contratação, mas vamos fazer o que a USP faz. Tem uma fundação que cuida do seu vestibular e ela acumula conhecimento. Eu entendo que é esse ponto. E é óbvio o impacto que o furto teve. Não foi contratada nenhuma gráfica de fundo de quintal. Foi contratado o maior parque gráfico do País. Que no dia do roubo soltou uma nota dizendo que não havia sido ali, porque eles tinham todas as condições de segurança. Então a própria gráfica tinha segurança de que as suas condições de segurança estavam observadas. E isso foi o que o Inep viu.

O Enem só era usado por algumas universidades particulares, para 300 e poucas mil vagas do ProUni. De repente, ele passa a ser usado pelas universidades federais, que sempre tiveram a maior concorrência, o maior interesse. A importância do Enem passou a ser maior. Tanto que houve um furto. Ninguém tinha se interessado em furtar a prova do Enem antes.
HADDAD - Até hoje está um pouco mal explicado esse episódio do ponto de vista do que pretendia de fato aquele cidadão (que furtou a prova). Porque não era ganhar dinheiro, aparentemente. Alguém que se expõe tanto...

Profª Marcia Gil de Souza
Coordenadora do Ensino Médio