Educação Permanente

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quarta-feira, 6 de março de 2013

Jovens são emancipados para fazer supletivo e pular o ensino médio Marília Banholzer - Do NE10 - Jornal do Commercio - 06/03/2013 - Recife, PE Até que ponto um adolescente de 16 anos tem maturidade para enfrentar o ritmo de uma universidade? E mais: deixar de cursar e vivenciar o último ano do ensino regular? Esse questionamento se tornou pertinente desde que jovens menores de idade passaram a alcançar boas notas nos principais vestibulares do País, ainda no primeiro ou segundo ano do ensino médio. A discussão ganha força a partir do momento que a demanda de pedidos de emancipação dos jovens chega a dobrar nos cartórios do Recife no período entre dezembro e fevereiro, meses em que são divulgados os listões das universidades. Segundo o analista notorial da 1º Ofício de Notas do Recife (Cartório Andrade Lima), Rafael Selva, é muito comum que nesse período do ano os pais tentem emancipar os filhos por questões relativas ao vestibular. `Em geral eles querem que o filho faça o supletivo ou possa morar sozinho em outro estado, mesmo sendo menor de idade`, afirma o analista. A reportagem do NE10 entrou em contato com diversos cartórios do Recife e em todos a informação era de que o fluxo de pedidos de emancipação é pequeno durante todo o ano (dois ou três por mês para cada cartório da cidade). No início do ano, porém, há um aumento de mais de 50% na procura. Há dois anos, a jovem Tamires Coutinho, na época com 16 anos, foi emancipada. O objetivo da medida era possibilitar que a menina fizesse um supletivo e tivesse acesso à sua ficha 19, documento emitido quando o estudante completa o ensino médio. No entanto, o código civil prevê que apenas os maiores de 18 anos podem passar pela prova que elimina a passagem do estudante pela escola. No caso dos estudantes menores de idade é necessário que eles sejam emancipados para que possam fazer a prova. A ideia de ser emancipada para se submeter ao supletivo surgiu depois que a jovem conseguiu alcançar uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mesmo quando ainda cursava o 2º ano do ensino médio. `Quando conferi o gabarito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) vi que a nota seria boa e que conseguiria uma vaga. Fui ver como eu poderia já ingressar na universidade sem precisar cursar o 3º ano do ensino médio. A verdade é que eu não queria passar mais um ano estudando e vivendo aquela pressão [do vestibular]`, explica. Tamires diz ainda que todo o processo foi muito fácil. `Meus pais me levaram num cartório em Jaboatão dos Guararapes, fizemos a emancipação, fui para a Paraíba fazer um supletivo de um mês e já voltei com a ficha 19. Aí foi só me matricular na UFPE`, relembra. Hoje a jovem está com 18 anos e cursa o 4º período do curso de jornalismo. No total, são oito períodos, o que significa que ela estará formada e pronta para o mercado de trabalho aos 20 anos. Para Tamires, ter `pulado` o 3º ano não foi um problema. O fato de ter ingressado no ensino superior tão jovem também não. Porém, a universitária ressalta que conhece pessoas que fizeram o mesmo caminho mas não se adaptaram à nova rotina. `Conheço pessoas que não entenderam o que é estar na universidade. Muitas desistiram porque no final das contas nem sabiam se o curso que queriam era aquele mesmo. Acho que depende de cada um`, avalia. Essa antecipação de entrada no nível superior de ensino causa preocupação aos educadores. Contrária ao `atalho` feito no ensino médio, a psicopedagoga Jaidenise Azevêdo avalia que essa estratégia é um perigo para a evolução do estudante. `Podemos comparar com uma criança que pula de série na escola. Em geral não dá certo e a criança não se adapta`, ressalta a especialista. Jaidenise também ressalta que mesmo que o jovem passe pela universidade sem maiores problemas, não significa que ele estará preparado para as cobranças do mercado de trabalho. `A nossa sociedade precisa parar de ter tanta pressa. Não podemos atropelar os estágios pelos quais temos que passar para amadurecer`, enfatiza. Atenta à essa questão, a Secretaria de Educação de Pernambuco não aceita que os jovens menores de 18 anos façam as provas de supletivo, mesmo que eles tenham sido emancipados em cartório. No entanto, confirma que nada pode fazer em relação às fichas 19 emitidas em outros estados, como o que aconteceu com Tamires Coutinho, que teve seu documento de conclusão do ensino médio emitido na Paraíba, por meio de supletivo. A assessoria da Secretaria de Educação do Estado informou ainda que só permite que um menor de idade passe pelas provas de supletivo em Pernambuco por intermédio de uma emancipação conquistada na Justiça. No entanto, o juiz da 1ª Vara da Família da Capital, Clicério Bezerra, revela que são raros os pedidos dessa natureza. `Não me recordo de nenhum caso desse tipo no ano passado, por exemplo`, comenta. Este ano, a professora Adriana Correia entrou na Justiça pernambucana para conseguir que o filho de 17 anos entrasse na universidade sem cursar o último ano da escola. O jovem Samuel Celestino passou em 14º lugar geral do curso de engenharia civil da Universidade Federal do Ceará (o terceiro melhor do País) mas não foi autorizado a cursar o ensino superior. Ela explica que fez a emancipação do rapaz, mas não buscou o supletivo baseada nas regras impostas pelo Enem. `O edital do Enem diz que basta ser maior de 18 anos e alcançar a pontuação mínima. Meu filho tirou notas muito boas. Mas não foi autorizado pela justiça por causa da idade, mesmo eu tendo feito a emancipação dele`, reclama. Adriana ressalta que Samuel estuda no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e por causa do estilo diferenciado de ensino das escolas técnicas para as regulares, ele já teria cumprido a carga horária referente ao ensino médio completo. `Meu filho está preparado para a universidade e com boa notas. É um absurdo que pessoas que entrem em filas de espera e tirem notas menores consigam entrar e ele não.` De acordo com a professora, o jovem ficou triste e desestimulado a ver o sonho de entrar na UFC ir por água abaixo. `Ele também passou na UFPE, mas a gente nem tentou mais nada. Agora ele só quer saber de fazer o último ano no IFPE e tentar o vestibular novamente.` EMANCIPAÇÃO - O advogado especialista em direito da família João Bosco de Albuquerque explica que a emancipação não torna o jovem maior de idade. `Na verdade, ele ganha alguns direitos e deveres. Entre os direitos está o de poder concorrer em concursos públicos ou fazer provas como o supletivo. Mas ele não pode tirar uma carteira de habilitação, por exemplo`, ressalta o advogado. Ainda segundo João Bosco, a emancipação pode ser feita em qualquer cartório de notas e custa uma valor que gira em torno de R$ 140. Apenas no caso de um dos pais não autorizar a emancipação é que o caso vai parar na Justiça para que um juiz avalie a maturidade do jovem em questão.