Educação Permanente

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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Reflexões sobre alfabetização e método fônico

O Jornal Folha de São Paulo trouxe uma reportagem muito interessante sobre alfabetização. Penso que vale a pena ler:

Folha de São Paulo, 26/10/2009 - São Paulo SP
Método fônico avança na alfabetização
- HÉLIO SCHWARTSMAN DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Sem alarde, sistema que associa letras a sons ganha espaço no Brasil; em países desenvolvidos, houve embate contra construtivistas. No país, polêmica sobre escolha do método durou só dois meses, quando o MEC disse em 2006 que poderia priorizar um dos sistemas.
Nos EUA, elas ficaram conhecidas como "Reading Wars" (guerras de alfabetização). Foi uma disputa encarniçada e com fortes tintas ideológicas, que chegou a ser comparada à polêmica em torno do aborto. De um lado, estavam os defensores dos métodos fônicos, que enfatizam a necessidade de ensinar a criança a associar grafemas (letras) a fonemas (sons). Do outro, perfilavam-se os construtivistas, para quem o aprendizado da leitura deve ser um ato tão "natural" quanto possível, a ser exercido com textos originais e não com obras artificiais como cartilhas. No Brasil, a coisa lembra mais a não havida Batalha de Itararé: o que prometia ser o mais sangrento conflito pedagógico do país acabou não acontecendo, e a controvérsia agora caminha para decidir-se sem traumas maiores, com os métodos fônicos ganhando espaço pelas bordas do sistema. "Os construtivistas não gostam muito, mas a questão [dos métodos] vem se resolvendo de forma pouco explícita", declarou à Folha o ministro da Educação, Fernando Haddad.
Na mesma toada vai o professor de psicologia da USP Fernando Capovilla. "Sem muito alarde, as coisas estão mudando. E é bom que seja assim. A ciência demonstrou que o fônico é mais eficaz, especialmente para os mais pobres". Nos países desenvolvidos, a polêmica remonta aos anos 50, atingiu seu ápice no final dos 90 e de algum modo se resolveu a partir dos 2000, depois que os governos dos EUA, da França e do Reino Unido, com base em vários estudos comparativos, recomendaram o ensino dos elementos fônicos no processo de alfabetização. No Brasil, o "confronto final" foi evitado. Em fevereiro de 2006, Haddad propôs o debate, sugerindo a revisão dos PCNs (parâmetros curriculares nacionais) da educação básica. Os fonetistas viram aí a oportunidade de lançar o que seria o golpe de misericórdia contra o método global. Os construtivistas, por seu turno, valendo-se da privilegiada posição de linha pedagógica predominante na maioria das escolas públicas e privadas do país, prometiam resistir por todos os meios.
Silvia Colello, professora de pedagogia da USP, é uma das que se opõem aos métodos fônicos. Para ela, quando o professor adota esses programas "cartilhescos" e enfatiza o domínio do código escrito, ele "tira da língua o que ela tem de mais precioso". O aluno, diz, não se reconhece nesse artificialismo e se desinteressa. Percebendo que o debate estava a gerar mais calor do que luz, dois meses depois, em abril, Haddad anunciou que o ministério desistira de recomendar um método oficial. "Levei tanta pancada, inclusive da Folha", disse o ministro. "Mas acho que serviu para preparar o terreno. Hoje há mais clima para discutir essas questões", acrescentou. A relativa indefinição favoreceu posições mais conciliatórias, como a de Magda Soares, professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG.
Para ela, o construtivismo teve o inegável mérito de colocar a criança como sujeito ativo no processo de aprendizagem, mas, no caso da alfabetização, acabou se tornando uma teoria sem método que substituiu o método sem teoria das cartilhas do século passado. Soares, que prepara um livro sobre o assunto, diz que existe "produção riquíssima" lá fora demonstrando a necessidade de trabalhar com elementos fônicos. Para ela, o ponto-chave para o sucesso na alfabetização é a "formação dos formadores". Experiência no molde defendido por Soares está em curso em Lagoa Santa (região metropolitana de Belo Horizonte). Ali a pedagoga Juliana Storino coordena um programa que, sem esquecer pressupostos construtivistas, como a adequação do currículo à realidade do aluno, busca desde cedo despertar a consciência fonológica dos alunos. "Apesar de já operarmos há três anos, ainda encontramos resistências por parte de professores."

Folha de São Paulo, 26/10/2009 - São Paulo SP
"Trocadilhos" deram origem a alfabeto - DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Como o arco e a flecha, a escrita é uma tecnologia que foi inventada mais de uma vez. Os dois primeiros sistemas de que se tem notícia, o hieroglífico egípcio, que parece ter surgido por volta de 3100 a.C., e o cuneiforme sumério, mais ou menos de 3300 a.C., mas cujos sinais precursores remontam a 8000 a.C., partiram de uma representação ideográfica do que se desejava representar. Isso significa que o hieróglifo egípcio correspondente a um touro significa mesmo "touro". De forma já um pouco mais sofisticada, o desenho de uma orelha de vaca significa "ouvir". Num grau ainda maior de elaboração, os antigos egípcios passaram a valer-se também de trocadilhos, vá lá, infames. Feitas as adaptações para o português, o desenho de um rei, seguido do de uma casa e do de uma rainha significaria "o rei [se] casa com a rainha". Esse é o truque que, numa evolução posterior, resultará na escrita alfabética. As representações ideográficas cedem lugar a novas formas em que os sinais já não se referem às coisas, mas a sons da língua falada. Com isso, pode-se registrar virtualmente tudo, inclusive nomes próprios e ideias abstratas, que antes representavam um obstáculo difícil de contornar. O alfabeto, mais ou menos como nós o conhecemos, em que as letras correspondem apenas a sons, surge no segundo milênio antes de Cristo. Ao que tudo indica, foram os fenícios, com o alfabeto proto-sinaítico, que radicalizam o que já se insinuava nas escritas suméria e egípcia e passam a fazer com que cada sinal corresponda a um som da língua, decompondo-a em elementos mínimos. A partir disso, surgem quase todos demais alfabetos.

Folha de São Paulo, 26/10/2009 - São Paulo SP
Cérebro não se adaptou à escrita, o que dificulta a aprendizagem
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Alfabetizar uma pessoa é difícil porque nossos cérebros ainda não tiveram tempo de adaptar-se à escrita, uma conquista relativamente recente. A comparação cabível é com a aquisição da linguagem. Para uma criança aprender um idioma, é só atirá-la numa comunidade onde se fale a língua em questão. Em pouco tempo ela estará proficiente e corrigindo seus pais, se eles não forem falantes nativos. Não há necessidade de instrução formal. Essa foi uma das razões que levou o linguista Noam Chomsky a postular a hipótese, hoje bem aceita, de que nossos cérebros já vêm de fábrica com um órgão da linguagem. Com a escrita é bem diferente. As mais recentes evidências colhidas pela psicolinguística mostram que a alfabetização não vem "naturalmente". Isso contraria pressupostos do método construtivista, nos quais se apresentam ao aluno palavras inteiras esperando que ele decomponha o código e deduza os elementos que o constituem.

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