Educação Permanente

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ética - o que é, o que foi e como está

O que é
Definir a Ética não é uma tarefa fácil, especialmente por que os calendários e as paisagens costumam mudar o significado da palavra. Ou seja, cada cultura, em lugares e tempos diferentes, mostrou o seu entendimento a respeito do que seria a ética.
Bem, primeiramente podemos ter certeza de que a Ética está ligada às ações dos homens, ou seja, tem por finalidade orientar e julgar as atitudes das pessoas mediante algum tipo de ponto de referência. A Ética visa moldar as ações humanas.
Já que a Ética tem a finalidade de reger a conduta e a prática das pessoas, outra coisa que podemos saber com segurança a seu respeito é que a Ética orienta e julga os atos através de um sistema de valores, através dos quais define o que deve ser feito e o que não deve ser feito. A Ética, portanto, deve ser capaz de realizar juízos de valor sobre os atos, classificando-os em bons ou ruins, fazendo isto a partir de um princípio fundamental.
Bem, agora que sabemos que a Ética deve fazer juízos de valor sobre os atos das pessoas, podemos dar um passo a mais: a Ética deve erguer seus juízos de valor sobre um princípio fundamental, uma pedra essencial que possa organizar e alinhar os juízos de valor.
E a finalidade vem a reboque: a finalidade da Ética é estabelecer padrões e limites de forma que o convívio social possa ser preservado e todos mantenham sua integridade física, psíquica e assim por diante. A ética visa regular as ações dos homens no meio social, a fim de que essas ações não venham a prejudicar os outros homens que estão implicados nesse mesmo meio.
Na tentativa de aproximação de uma definição, pode-se dizer que a ética é um conjunto de princípios que estabelecem juízos de valor sobre a conduta humana, visando orientar e regular a ação do homem na sociedade através de um conceito fundamental e essencial, com a finalidade de garantir a integridade dos membros dessa sociedade.

O que foi
Já sabemos que origem da Ética está lá na Grécia Antiga, mas para podermos compreender melhor teremos de olha o próprio sentido da palavra grega que deu origem ao termo “Ética”. Um dos primeiros a usar o termo foi o pré-socrático Heráclito. Para Heráclito, o centro a partir do qual se desdobram os atos, as ações dos homens é um lugar profundo e pessoal no ser humano, que seria a consciência ou a índole. Assim, as atitudes são o reflexo e resultado do que está no interior, a índole de uma pessoa, ou seja, o seu éthos (e,,,,,,,,,,,qos).
Contudo, Aristóteles compreendeu a questão da ação humana de forma diferente, visto que para ele o comportamento não é resultado de uma natureza que nasce com a pessoa, ou seja, a índole, mas sim de uma questão de repetir sempre os mesmos atos, ou seja, hábitos. Para ele, o que está no homem, em seu e,,,,,,,,,,,qos não é importante, mas sim os hábitos que ele vai aprendendo ao longo de sua vida, ou seja, os seus costumes, ou ethos (hqos).
Deve se reparar que a palavra que Heráclito usa para índole é idêntica à palavra que Aristóteles usa para costume, visto que na língua grega duas letras diferentes tem o mesmo som de “e”. Assim, as palavras são pronunciadas de forma idêntica, mas são duas palavras diferentes.
Como Aristóteles foi mais lido e mais traduzido para o latim, acabou predominando a concepção de que a Ética é uma questão de costumes, e isso pode nos ajudar a entender por que Ética e Moral estão sempre tão próximas que pensamos serem a mesma coisa. O que aconteceu é que a palavra “moral” vem do termo latino mores, que significa costumes, e como a concepção de Ética de Aristóteles acabou prevalecendo durante a Idade Média, então por muito tempo (e ainda hoje) muitos estudiosos afirmam não haver nenhuma distinção entre a Ética e a Moral, ou seja, ambas são relativas aos costumes de cada cultura, costumes estes que estabelecem o que é certo e o que é errado.
Embora os pré-socráticos já discutissem o tema da Ética, essa só veio para o centro do palco a partir de Sócrates e seus embates com os sofistas. Os sofistas pensavam uma Ética relativizada, pois como disse Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas". O problema da relatividade da verdade impedia que houvesse uma base universal sobre a qual pudesse repousar uma Ética de largo alcance.
Sócrates discordando dos sofistas sustentou que existe um saber universal e válido que decorre da essência humana daí se pode conceber a fundamentação de uma moral universal. Ao enunciar sua máxima: "Conhece-te a ti mesmo" traduz que o essencial a todos é a alma racional. Dessa forma, o fundamento da Ética de Sócrates esta no fato de que "o homem é essencialmente razão", e por isso a ética socrática é racionalista.
Platão apurou o conceito da distinção entre corpo e alma. Argumentava Platão que o corpo é a sede de desejos e paixões, e por isso mesmo muitas vezes desvia o homem de seu caminho para o bem. Logo, a base da Ética de Platão estava na virtude residente na alma, que deveria ser elevada ao mundo das idéias para vencer as paixões do corpo material.
Aristóteles desenvolveu também uma ética racionalista e mais realista de forma que a reflexão e a contemplação deveriam levar a pessoa a agir corretamente, através da prática das virtudes. A virtude é o ponto de equilíbrio entre extremos, um dos quais envolve o excesso e o outro a deficiência. A virtude é o princípio ético que leva à felicidade.
Tanto em Platão como em Aristóteles, a ética está vinculada à vida social, no meio da polis, mas o enlace da filosofia grega com o cristianismo vai mudar isso, visto que os cristãos não estão vinculados a uma nacionalidade ou cidade, mas sim a um Deus pessoal e transcendente.
Os filósofos cristãos acabam então herdando a discussão sobre ética dos pensadores gregos e redimensionam a questão da ética através da ótica cristã. É interessante notar que a ética judaico-cristã tem seu fundamento na pessoa do próprio Deus. A imagem mais clara disso está em dois relatos essenciais para se compreender a ética cristã, que são as Dez Palavras (conhecido como Dez Mandamentos) e o Sermão do Monte proferido por Jesus.
O fundamento da ética judaica expressa nas Dez Palavras é a própria pessoa de Deus, e por isso a tradição das duas tábuas, já que uma tábua conteria a ética com relação ao homem e Deus, e a segunda com relação ao homem e seu semelhante. O homem deve ser justo com o outro, por que sua ética se fundamenta no fato de que o mesmo Deus criou a ambos.
Sobre esse mesmo fundamento ético Jesus lança seus termos éticos no sermão do monte, que ocupa os capítulos de 5 a 7 do Evangelho de Mateus. A ética de Jesus continua repousando sobre o alicerce da pessoa de Deus Pai, com um avanço notável sobre as Dez Palavras, uma vez que Jesus coloca no seu projeto ético uma consideração sobre a intenção humana. Enquanto as Dez Palavras tratam das ações humanas, Jesus coloca a ética no centro do coração humano, levando as ordens até os recônditos do coração. Jesus diz que obedecer a Deus não é apenas uma questão de disposição exterior, mas também interior, uma vez que o coração tem de estar alinhado com o Reino e a sua justiça.
Os pensadores cristãos herdaram alguns elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-os na concepção cristã. A purificação da alma sugerida inicialmente por Platão para alcançar a virtude foi retomada Santo Agostinho (séc. II), adicionando a idéia da interioridade, pois ser santo é quando o homem faz o bem e para isso Agostinho ordena: “Ama e faz o que queres, porque se amas corretamente, tudo quanto faças será bom”.
São Tomás de Aquino (século XIII) distinguiu as virtudes éticas em virtudes teologais, que seriam acessíveis ao homem apenas pela graça de Deus, e as virtudes cardinais, acessíveis a qualquer homem, por meio de suas faculdades naturais.
Com o Renascimento houve uma retomada do humanismo que voltou a reflexão ética para a autonomia humana, rompendo ao menos em parte com o fundamento ético da pessoa de Deus. Este movimento acabou desembocando no Iluminismo, quando os filósofos passam a defender que a moral deve ser fundamentada não em valores religiosos e sim na compreensão sobre a natureza humana, em valores universais que possam ser compreendidos e aceitos por qualquer cultura em qualquer tempo, independentemente da religião ou nacionalidade.
Um exemplo claro da busca dessa universalidade pode ser encontrada em Immanuel Kant, que afirmava que a ética era um dever universal, independente da condição individual na qual cada um se encontra diante desse dever. Isto é, não importando as circunstâncias ou contextos, o dever é o mesmo e imutável por que está baseado em leis universais e imutáveis que a razão conhece. Por isso a Ética é um Imperativo Categórico, visto que é uma ordem que não admite hipóteses, não muda diante dos contextos.
Hegel foi crítico de Kant, no sentido em que considera a moral como uma questão que deve passar obrigatoriamente pelas instituições da cultura. Isso equivale a dizer que a ética não existiria em uma forma universal, válida para todos os tempos, mas a ética seria então o acordo e a junção entre a vontade do indivíduo e a vontade da sociedade. A Ética para Hegel nasce na harmonia entre a vontade pessoal e os costumes estabelecidos pela cultura, e por isso a Ética muda assim como mudam os costumes de cultura para cultura.
Nietzsche criticou o racionalismo ético que reprime, bem como se tornou um duro acusador da herança da ética judaico-cristã. Para ele, as noções de pecado, de culpa e inferno são apenas formas de dominação de uns poucos sobre muitos. Logo, a filosofia de Nietzsche acaba colocando sob ataque as próprias bases da Ética ocidental, que residem sobre a tradição judaico-cristã.
A discussão ética atual tem em Jürgen Habermas um de seus maiores representantes. Habermas desenvolve uma ética discursiva fundada no diálogo e no consenso entre os sujeitos. O que se busca no diálogo é a razão que, tendo sido reconhecida pelos participantes do diálogo, que serviria de base última para a ação moral.
O conceito de razão em Habermas é uma razão que se constrói a partir da argumentação. É uma razão interpessoal e não mais subjetiva, uma razão processual, não definitiva e não acabada. Logo, a Ética de Habermas é uma aposta na linguagem e na capacidade de entendimento entre as pessoas na busca da ética universal baseada em valores válidos e aceitos por consenso.

Como está
Para compreendermos a situação atual da discussão sobre Ética, devemos compreender ao menos superficialmente o que muitos historiadores e sociólogos têm chamado de Pós-Modernidade.
A Pós-Modernidade é uma corrente de pensamento que é uma espécie de reação à modernidade, rejeitando alguns aspectos da era moderna e repaginando alguns outros dentro de uma nova perspectiva. Alguns pontos do universo da modernidade que aparecem como maior alvo de rejeição por parte do pensamento pós-moderno são o racionalismo, a crença na ciência como redentora dos males da humanidade e a concepção de história como uma evolução social.
O homem pós-moderno mantém suas reservas de desconfiança da razão, que foi senhora absoluta no Iluminismo, bem como critica a ciência como refém dos interesses de uns poucos poderosos apenas. Algumas características essenciais da Pós-Modernidade são o individualismo tão exagerado que chega a ser narcisismo, a ausência de grandes sistemas filosóficos, como um grande buraco na área da reflexão, e um ambiente cada vez mais tecnológico que têm alterado o próprio ser humano.
Todas essas características têm se combinado em uma teia complexa, de forma que a Ética é uma matéria tão atual justamente por que se percebe que o novo tempo que está raiando esgotou as respostas éticas do passado, o que dá a impressão que a ética de nossos dias está falida, decadente.
Freqüentemente a pós-modernidade despreza o sentido da culpa e do erro, de forma a diminuir a ação da consciência. O extremo individualismo acarreta em um relativismo que dá direitos a todos de estabelecerem seus padrões éticos de acordo com as circunstâncias e contextos, o que mostra a tendência pós-moderna de basear sua ética no prazer e na satisfação pessoal.
Se por um lado a ética pós-moderna acabou presa aos interesses do indivíduo e moldada por ele segundo suas necessidades, por outro os novos campos de conhecimento tem aberto novos horizontes e a cada dia surgem novas questões que esperam por respostas de uma ética que ainda não surgiu. Essa nova ética deverá compreender tanto a perspectiva individualista dos nossos tempos, como a perspectiva ampla de um mundo globalizado.
No campo das pesquisas genéticas e médicas, desde a década de 80 vêm surgindo a chamada bioética. Neste campo ético se encontram diversos temas complexos, como as células tronco, clonagem de seres humanos, alimentos geneticamente modificados e até mesmo eutanásia.
No campo dos negócios e do mundo corporativo, tem surgido a Ética dos Business. A partir da década de 70 começou a se desenvolver nos EUA um debate diante dos escândalos envolvendo corrupção nas empresas e também o marketing enganoso e manipulador. Nos anos 80 mais de três quartos das grandes empresas dos EUA já possuíam um código de conduta e comitês de ética, que deveriam orientar desde a convivência dos executivos, estabelecendo uma ética de trabalho para convivência no ambiente da empresa, até a relação das empresas com os clientes, passando pela forma como os produtos seriam feitos e anunciados.
A proliferação das mídias de comunicação acabou levantando uma outra grande série de questões éticas, principalmente em torno dos interesses por trás da manipulação das mídias sobre os gostos e desejos de milhões de espectadores.
A Internet surge numa grande explosão de expansão em meados da década de 90, e logo começam a surgir debates sobre a necessidade de uma ética que pudesse abarcar essa nova rede de comunicação. O anonimato do internauta, os diversos recursos de exposição do outro, a possibilidade de uma existência virtual e diversas outras questões figuram entre um universo de interrogações éticas na web.
O maior temor dos pais é que a rede divulga temas como pornografia, violência, racismo, atividades ilegais, entre outros, e com o clique de um mouse acaba se entrando em um mundo de muitas armadilhas e perigos. Além do mais, a possibilidade de anonimato pode se tornar um atrativo para agressões a outros, que acabam se tornando presas fáceis. É o chamado cyberbullying.
A ética necessária para esclarecer os limites do uso da Internet não vai surgir sem reflexão e engajamento da sociedade, principalmente por parte daqueles que estão ligados à rede.
Jeferson Carvalho Alvarenga - Professor do Ensino Médio

Um comentário:

  1. Muito apropriada a discussão sobre ética, no momento em que o Curso G9 pesquisa mais aprofundadamente sobre a identidade do jovem em função do advento da internet. Ética e Moral são os grandes desafios dos relacionamentos virtuais, através dos quais crimes cibernéticos de toda ordem são cometidos. Nossa legislação ainda engatinha na busca de punições, num ambiente em que o anonimato é o grande trunfo dos transgressores da ética e da moral.Penso que a educação é o caminho a ser seguido na busca de soluções para transgressões velhas cometidas em ambientes novos.

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