Educação Permanente

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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Manifestações de Rua - sociedade articulada

Multidões em protesto Hélio Schwartsman - Folha de São Paulo - 19/06/2013 - São Paulo, SP Que diabos está acontecendo, é o que todos se perguntam. É verdade que ninguém entendeu direito o que levou multidões de jovens (e alguns não tão jovens) a, de uma hora para outra, protestar nas ruas de todo o Brasil, mas também não estamos diante de um monstro alienígena. Manifestações e confrontos existem desde que surgiram as primeiras cidades, alguns milhares de anos atrás, e, mesmo na versão moderna, em que são convocados pelas mídias sociais, ocorrem de forma relativamente corriqueira. No presente momento, além do Brasil, há protestos em massa ocorrendo na Turquia e na Bulgária. Poucas semanas atrás, era a civilizada polícia sueca que enfrentava a ira de manifestantes em Estocolmo e outras cidades. Se estendermos o horizonte de tempo para incluir os últimos quatro anos, a lista de países afetados pula para quase uma centena, abarcando desde a Primavera Árabe até o `Occupy` e os indignados. Foram atingidas desde nações miseráveis como Malaui e Bolívia até as maiores economias do planeta. Embora cada um desses movimentos tenha uma gênese e uma pauta diferentes e únicos, há algumas lições que podemos tirar do agregado de experiências. É claro que, em princípio, tudo pode ocorrer. Mas, se os seres humanos que protestam têm algo em comum uns com os outros, como se imagina que tenham, a tendência é que o movimento comece em breve a arrefecer. Manter a mobilização é energeticamente dispendioso. Manifestações dão trabalho, impõem um ônus às cidades que as hospedam e acabam enjoando. A primeira passeata é divertida e a gente nunca esquece, mas a quinta já é aborrecida. É certamente possível estender uma série de protestos quando eles têm um objetivo claro e mais ou menos unânime, como derrubar um ditador, mas, se o que os motiva é uma insatisfação difusa, como parece ser o caso aqui, isso fica mais difícil. Se as autoridades não voltarem a cometer erros como reprimir manifestantes pacíficos, que são a esmagadora maioria, catalisam esse processo. Massas são uma coisa meio esquisita. Os especialistas que estudam a psicologia das multidões ainda não chegaram a um consenso sobre como elas se comportam, mas levantaram alguns problemas e `insights` interessantes. A primeira e mais óbvia questão é: no que o grupo difere do indivíduo? Várias respostas foram ensaiadas. Para uma corrente, as diferenças são mais de grau do que de natureza. Se as três emoções humanas fundamentais são medo, alegria e raiva, quando aplicadas a multidões elas se tornam, respectivamente, pânico, júbilo e hostilidade. Há, entretanto, escolas que pensam que o comportamento de massa leva as pessoas a fazer o que jamais fariam se estivessem sozinhas. Fico com o segundo grupo. Numa espécie hipersocial como a nossa, são formidáveis os efeitos que indivíduos produzem uns sobre os outros, levando a formas insuspeitas de emergência. Como tentei mostrar na coluna publicada na edição impressa da Folha de ontem, juntar um bocado de gente para fazer uma coisa pode trazer grandes vantagens, mas também envolve riscos. Os limites entre a sabedoria e a loucura das multidões são tênues. Há ganhos óbvios como a multiplicação de forças e a possibilidade de divisão do trabalho (com aumento da produtividade) que nem vale a pena explorar. Mas existe também um efeito mais sutil que gostaria de desenvolver. Trata-se do bônus da agregação. Em 1906, sir Francis Galton, o polêmico e genial primo de Darwin, conduziu um experimento dos mais interessantes. Ele visitara uma feira agrícola e viu que haviam organizado um concurso no qual as pessoas deveriam adivinhar o peso de um bezerro. Exatas 787 pessoas responderam e nenhuma acertou. Mas, como constatou Galton, a média dos palpites, 1.197 libras, ficou a apenas 0,08% do peso aferido, que era de 1.198 libras. Curiosamente, Galton, que era um aristocrata com tendências fortemente elitistas, teve de dar o braço a torcer. `O resultado parece dar mais crédito à confiabilidade do juízo democrático do que se poderia esperar`, escreveu. O mecanismo em ação é o da eliminação. As estimativas mais extremas tendem a anular umas às outras e o que sobra é um palpite que faz sentido. A pergunta, então, é: por que não escolhemos o melhor governante com uma precisão de 0,08% em eleições de verdade? O economista Brian Caplan tem uma resposta convincente. Para ele, o milagre da agregação funciona apenas para eliminar erros aleatórios, cuja distribuição é gaussiana, mas se torna inútil para evitar os erros sistemáticos, que são aqueles em que a maioria das pessoas, provavelmente devido a vieses cognitivos, vai para o mesmo lado. A democracia não nos salva de nossas obsessões nem dos demagogos, ainda que tenha o dom de extirpar as posições mais radicais --o que não é pouca coisa. Do lado negativo, a conta também pode ficar bastante salgada. Não são poucas nem inócuas as chamadas patologias do pensamento de grupo. Uma delas é a polarização. Se você juntar um punhado de pessoas com opiniões semelhantes e deixá-las conversando por um tempo numa sala, o grupo sairá com ideias mais parecidas e mais radicais. É assim que surgem as organizações terroristas e, nas manifestações, a disposição de enfrentamento que por vezes descamba no vandalismo. Minha hipótese é que a internet, ao permitir a criação de comunidades virtuais de pessoas com convicções bem exóticas e raras, contribui para uma certa radicalização da paisagem ideológica, mas nada que a democracia não possa curar. Outra moléstia de grupo importante é a conformidade. Multidões têm o hábito de suprimir o dissenso. Isso explica várias coisas, desde as caças às bruxas e a perseguição de minorias até o sucesso das religiões. Num comício, frases como `sem violência` até funcionam, desde que os que advogam pelo quebra-quebra não formem uma massa concentrada o bastante para considerar-se um grupo à parte. Vale mencionar ainda a animosidade. Ponha um corintiano e um palmeirense numa sala e mande-os discutir futebol. Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com certa civilidade. Entretanto, se você colocar cem torcedores rivais de cada lado, quase certamente produzirá uma batalha campal. Vimos isso acontecendo na quinta-feira passada em São Paulo, quando policiais do batalhão de choque avançaram sobre manifestantes tranquilos menos por cumprimento do dever do que por vê-los como um grupo antagônico que era preciso derrotar. Aonde isso nos leva? Qual o sentido desses protestos e o que eles podem fazer por nós? Sou simpático à causa, mas me reservo o direito de guardar uma saudável dose de ceticismo. Não penso que virá daqui a revolução redentora. Como já disse, a mobilização não vai durar para sempre. Pleitos específicos como a redução de tarifas poderão ser atendidos em determinadas praças. Não sei se sou muito a favor disso. As manifestações, como é óbvio, não criam dinheiro, que terá de sair de outras rubricas se não quisermos pagar mais impostos. Quanto de subsídio o setor público deve conceder ao transporte público é uma questão aberta a debate. De minha parte, penso que transporte e saúde funcionam como despesas de custeio. Não há como evitá-las, mas, se for para escolher uma prioridade, minha preferência é a educação, que é a única das grandes áreas que pode ser encarada como investimento no futuro. O que vejo de bom nos protestos é que eles sugerem que se está constituindo no Brasil uma sociedade civil um pouco mais articulada, que cobra seus governantes e os mantém sob pressão. Cada vez mais acredito na teoria de que o que distingue os países que dão certo das nações fracassadas é a existência de instituições que promovem o poder político dos cidadãos e lhes permitem tirar proveito das oportunidades econômicas. Uma classe média exigente que se faça ouvir pelos dirigentes é um elemento importante dessa institucionalidade positiva. Mas não nos enganemos. Já vimos a tal da sociedade civil surgir antes nas diretas já e no impeachment de Collor, apenas para submergir por vários anos antes de reaparecer. O descompasso aqui é entre o horizonte de nossas expectativas, que operam na escala dos meses e anos, e o da constituição de estruturas sociais democráticas, que obedece ao ciclo das décadas e gerações. Postado por Marcia Gil de Souza

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